Há um claro desnorte sobre o que deve ser a Saúde Pública nesta década e neste país. Depois dos anos de 2020 a 2022 com a Pandemia de COVD-19 a demonstrar como a Proteção da Saúde é uma base essencial da Segurança de um País, continuamos perdidos sobre o melhor desenho das funções de Saúde Pública para enfrentar os desafios que temos na próxima década. Temos o diagnóstico feito e temos uma estratégia publicada, mas se se perguntar quem faz o quê, de forma sustentável, eficiente e com autoridade o desnorte é total.
Dos ventos da João Crisóstomo aparentaram existir agendas clandestinas, não claras, aparentemente medíocres, sem coragem de serem apresentadas com clareza, orientadas e executadas. Por um lado, dá mesmo para, infelizmente, dizer – Ainda bem! Mais tempo perdido, mais incerteza e falta de consideração pelos profissionais de Saúde Pública. Alterações da Comissão da Saúde Pública numa tentativa de ajustar a essas agendas não surtiu efeito. Aliás, possivelmente não se compreendeu que os Serviços de Saúde Pública têm de estar alinhados com as reformas e não as academias, bem como também não se compreendeu que são os profissionais de Saúde Pública, incluindo os médicos que exercem nos Serviços de Saúde Pública do SNS os principais atores dessas potencias reformas. A Comissão produziu um relatório que ficou na gaveta e nessa mesma Comissão todos os médicos demitiram-se incluindo o seu coordenador. Nenhuma lição foi apreendida exceto o imobilismo dominada por alguma soberba de quem tem maiores responsabilidades.
Entretanto, os profissionais de Saúde Pública durante todo este período foram tomando atitudes titubeantes e calculistas relativamente ao seu futuro. E chagamos a mais umas eleições e um próximo Governo com um conjunto de oportunidades perdidas que vão engrossando o número de não decisões que os sucessivos Governos vão herdando e que os sucessivos Governos vão protelando conforme é a sua vez ou a do próximo.
Tenho esperança que quem agora vá governar faça o favor de efetivamente governar. E não digo para Governar Bem basta governar e ser reconduzido em novo acto eleitoral, a medida da boa governação. Não quero utilizar em vão a palavra chega, mas parece que chegou a altura de tomar decisões de forma a garantir melhor Proteção da Saúde, melhor Promoção da Saúde e melhor Prevenção da Doença. Não vale usar estas expressões ao sabor de modas ou impressões, não é preciso ter uma Secretaria de Estado ou Ministério da Promoção da Saúde sem saber o que é Promoção da Saúde, até porque é preciso saber governar para tratar os doentes. A quem não conhece as diferentes semânticas tudo parece igual, mas para quem as conhece vai reconhecendo a ignorância de vários sujeitos, e, confessando, quase sempre não profissionais de Saúde Pública ou pseudoprofissionais de Saúde Pública. É caso para reafirmar que aos Serviços de Saúde Pública devem estar esplanadas as áreas de intervenção próprias como aos Serviços de Cuidados Paliativos ou aos Serviços de Gastroenterologia também o devem estar.
O problema é que se temos os diagnósticos feitos não temos desenhados os instrumentos para que possamos com efectividade, equidade, sustentabilidade, eficiência e justiça possamos prevenir problemas no futuro ou resolver os problemas do presente. A União Europeia, por exemplo, já fez a reflexão com as suas instituições e países membros e mesmo com funções limitadas na área da Saúde Pública lá foi criando os instrumentos de decisão e de execução que permite encarar os desafios da Saúde Pública com melhor optimismo. E nós? Como é possível que sabendo da fraca aderência à vacinação gripe e COVID-19, com um passado recente de comportamentos positivos de utilização de mascara facial deixou-se desenvolver a epidemia que tivemos de doenças respiratórias nos passados meses de dezembro e janeiro. Até se pode mesmo perguntar quem poderá ser responsável pelo excesso de mortalidade nesse período! Esse é o designo também da Saúde Pública.
Há muito trabalho realizado, muitas discussões por vezes fragmentadas agora nas diferentes Unidades Locais de Saúde, faltando um pensamento e uma proposta holística onde todos os profissionais de Saúde Pública adiram, que possa permitir o papel de cada um, de entender que academias, municípios e outros agentes têm o seu espaço próprio. A criação de um LIVRO BRANCO DA SAÚDE PÚBLICA pode ser um caminho que contraponha as indecisões registadas. Sei que a sua criação está a ser gizado pela Ordem dos Médicos e que certamente não ficará só nesta obra. Muitos parceiros de índole profissional entre outros certamente também serão incluídos. É lamentável que tenhamos mais um documento (parece o novo/velho/futuro aeroporto de Lisboa). Que esta reflexão aproveite o trabalho já realizado, que considere os serviços e os profissionais de Saúde Pública, que seja inclusivo das diferentes dimensões da sociedade, que sirva os interesses de cada população e do país, que seja rápido e que ofereça a quem vai governar as opções para criar os instrumentos de acção em Saúde Pública e uma linha de tempo para a sua implementação e finalmente que coloque pressão a quem governe tome as decisões para governar (bem).
As Unidades Locais de Saúde são claramente um bom meio para o florescimento dos resultados da acção da Saúde Pública. No entanto, a base do exercício, efectivo, eficiente e sustentável da Saúde Pública tem matrizes geodemográficas distintas das actuais Unidades Locais de Saúde. Para já e como tenho defendido há vários anos Lisboa, Porto e outras cidades não podem ter múltiplas áreas diferentes de governação em Saúde Pública (ao nível de freguesias) e mesmo na gestão dos serviços de proximidade, digo as equipas de Medicina Geral e Familiar e de Cuidados na Comunidade. É, logo à priori, um erro que convém corrigir da criação das Unidades Locais de Saúde, para que cada cidadão não seja apenas um numero (mesmo ajustado para o risco) para sustentar financeiramente os hospitais da sua área de residência, mas que cada cidadão seja o centro das atenções de um planeamento de saúde que de facto não apenas resolva os problemas do presente, não apenas possa prevenir os riscos em saúde do futuro ou que promova melhor bem-estar mas sobretudo que crie confiança e esperança no futuro das gerações mais novas.
Pois que se governe e se governe bem em Saúde Pública a bem de cada cidadão, das famílias e das diferentes populações.
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