Em entrevista, exclusiva ao nosso jornal, a Prof. Doutora Gabriela Brochado, Coordenadora do Curso de Fisioterapia da Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Tâmega e Sousa, Cespu, destacou o papel fundamental da fisioterapia na reabilitação e promoção da saúde. A especialista ressaltou a importância da formação de qualidade dos fisioterapeutas e a necessidade de maior reconhecimento e valorização da profissão, além da ampliação do acesso da população aos serviços de fisioterapia

Healthnews (HN) – A lombalgia é a principal causa de incapacidade em todo o mundo, afetando milhões de pessoas. Quais são os principais fatores que contribuem para o aumento alarmante dos casos de lombalgia a nível global?

Gabriela Brochado (GB) – Existe uma variedade de fatores dos quais destaco o estilo de vida sedentário, cada vez mais comum na nossa sociedade pelo tipo de atividades laborais que exigem que os indivíduos permaneçam muito tempo sentados e inativos, o envelhecimento da população, a obesidade, que induz uma sobrecarga ao nível da coluna impondo maiores forças compressivas, a adoção de posturas inadequadas, quer em ambientes laborais quer nas atividades do dia-a-dia e ainda fatores psicológicos como o stress, a ansiedade e a depressão. A combinação destes fatores explica o aumento alarmante dos casos de lombalgia globalmente.

HN – A maioria dos casos de lombalgia é inespecífica, o que significa que não há uma estrutura específica causando a dor. Como é que os fisioterapeutas abordam e tratam a lombalgia inespecífica, e quais as estratégias mais eficazes para ajudar os doentes a gerir a dor e melhorar a sua qualidade de vida?

GB – Não existindo, nestes casos, uma causa estrutural, o fisioterapeuta trata a lombalgia inespecífica de uma forma holística, utilizando estratégias que incluem o exercício terapêutico recorrendo ao fortalecimento da musculatura estabilizadora do core, alongamentos e exercícios de mobilidade; educação do utente, ensinando estratégias de autocuidado e demonstrando a importância da atividade física; técnicas de terapia manual como a mobilização articular e a massagem; terapia cognitivo-comportamental; promoção de hábitos saudáveis, como a adoção de posturas corretas no trabalho e em casa, incentivo à perda de peso e à realização de atividade física.

HN – A reabilitação desempenha um papel crucial no tratamento da lombalgia em todos os estádios. Quais são as principais intervenções e abordagens terapêuticas que os fisioterapeutas utilizam para ajudar os pacientes a recuperar, retornar às atividades diárias e prevenir futuros episódios de dor?

GB – As principais intervenções compreendem os exercícios terapêuticos, incluindo o fortalecimento do core (músculos abdominais e lombares), os exercícios de alongamento e de mobilidade articular, a educação postural e ergonomia, as técnicas de terapia manual como a mobilização articular, as técnicas de manipulação, a massagem e a abordagem miofascial. Mas também a reeducação funcional, através do restabelecimento do movimento natural e eficiente do corpo, a terapia cognitivo-comportamental, ensinando o paciente a gerir melhor a dor e a ansiedade associada ao movimento e evitando o medo de se mexer. Por outro lado, são utilizadas técnicas de controle da dor, através quer do exercício quer de intervenções de eletroterapia; a reintegração gradual à atividade física; e a prevenção de recidivas através da elaboração de planos de manutenção que incluem exercícios regulares, autocuidado e monitorização dos sinais precoces de desconforto.

HN – O exercício tem demonstrado ser a intervenção mais útil para a lombalgia. Como é que os fisioterapeutas personalizam os programas de exercícios para atender às necessidades individuais dos pacientes, e quais são os tipos de exercícios mais comumente recomendados?

GB – Os fisioterapeutas personalizam os programas de exercícios de acordo com as necessidades, capacidades físicas e limitações de cada utente. A personalização dos programas de exercícios inclui por isso uma avaliação inicial detalhada para uma adaptação do tipo e da intensidade dos exercícios à fase da lombalgia.

Os exercícios de fortalecimento do core melhoram a estabilidade da coluna vertebral, podendo ser realizados exercícios como prancha, pontes e alongamentos. São ainda realizados alongamentos dos músculos da região lombo pélvica, mobilidade desta região, exercícios de estabilização lombar, exercícios aeróbicos de baixo impacto, como por exemplo caminhadas, natação ou ciclismo. Realizamos ainda exercícios funcionais centrados nos movimentos quotidianos, como agachamento, levantamento de objetos e sentar-levantar.

Todos estes exercícios são implementados de forma gradual à medida que o utente melhora, existindo o cuidado de ter em consideração no planeamento destes exercícios as preferências e limitações do paciente.

Os fisioterapeutas também ensinam os utentes a realizar os exercícios corretamente em casa, incentivando a continuidade da prática dos diferentes exercícios.

HN – A lombalgia e outras doenças musculoesqueléticas não têm recebido a devida atenção na agenda global de saúde. Na sua opinião, quais são as medidas necessárias para aumentar a conscientização sobre a importância de abordar a lombalgia e garantir que os pacientes tenham acesso a tratamentos eficazes e suporte adequado?

GB – Apesar de ser a principal causa de incapacidade em todo o mundo, a lombalgia e outras doenças músculo-esqueléticas não têm tido um lugar de destaque na agenda global de saúde.

xistem, por isso, algumas medidas que poderiam ser implementadas e que passam pela implementação de campanhas de conscientização pública, pela educação de profissionais de saúde, e pela integração da lombalgia nas políticas de saúde pública. Mas também pelo acesso equitativo à reabilitação, o incentivo à pesquisa e inovação, o estímulo para a criação de ambientes de trabalho saudáveis, a educação e autocuidado dos utentes e uma abordagem multidisciplinar no tratamento.

HN – Quais são as mensagens-chave que a World Physiotherapy deseja transmitir ao público no Dia Mundial da Fisioterapia de 2024, dedicado à lombalgia, e como é que os fisioterapeutas podem contribuir para a prevenção e gestão eficaz desta condição de saúde a nível global?

GB – A lombalgia é a principal causa de incapacidade em todo o mundo, afetando 619 milhões de pessoas em 2020, ou seja, 1 em cada 13 pessoas, e pode surgir em qualquer idade. Aliás, quase todos os indivíduos vão senti-la em algum momento das suas vidas, apesar de só se tornar crónica para uma minoria.

Sabemos que 90% da lombalgia é inespecífica, ou seja, não existe uma estrutura específica (por exemplo, articulação, músculo, ligamento, disco) que a possa causar, não sendo originada por uma doença subjacente grave ou específica. E entre as condições de saúde que podem beneficiar da reabilitação, a lombalgia é a condição da qual o maior número de indivíduos poderá beneficiar.

Os fisioterapeutas são especialistas na intervenção da lombalgia e podem oferecer abordagens terapêuticas personalizadas, incluindo programas educacionais que apoiam o conhecimento e estratégias de autocuidado e programas de exercícios supervisionados. Por outro lado, fornecem aconselhamento especializado, orientação e intervenção para a lombalgia, ajudando a melhorar a saúde e o bem-estar geral, enquanto reduzem a ocorrência de episódios futuros.

A reabilitação assume assim um importante papel na medida em que contribui para, durante as diferentes fases da lombalgia, tranquilizar os indivíduos e ajudá-los a compreender a sua dor, ajudá-los e apoiá-los na recuperação, no regresso às atividades e na manutenção da independência na vida diária.

Existem diferentes intervenções não cirúrgicas que são recomendadas para ajudar as pessoas com lombalgia. intervenções de fisioterapia, como terapia manual. O exercício demonstrou ser a intervenção mais útil para a lombalgia, não existindo, no entanto, um tipo de exercício preferencial. O mais importante é permanecer ativo e praticá-lo regularmente.

Ao combinar educação, intervenções clínicas e advocacia em saúde pública, os fisioterapeutas ajudam assim a reduzir o impacto da lombalgia e a promover a recuperação e o bem-estar a longo prazo.