Em entrevista à agência Lusa, um ano depois de ter aceitado coordenar a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-abrigo (ENIPSSA), Henrique Joaquim afirmou que ainda não há dados que, “de uma forma clara”, permitam dizer que a pandemia provocada pela covid-19 trouxe mais pessoas para a situação de sem-abrigo.

“Mas sei, porque contactei, de situações concretas de pessoas que efetivamente caíram nesta condição por via da crise que foi gerada em resultado da pandemia, à semelhança do que aconteceu com outras crises no passado”, afirmou.

Para Henrique Joaquim, “uma das coisas que esta pandemia veio trazer e pôs a nu foi um conjunto de pessoas que estava em condições de significativa vulnerabilidade, com contratos de trabalho não muito consistentes ou com condições de trabalho também muitas vezes vulneráveis”.

“A grande diferença desta crise é que ela veio num curto espaço de tempo e de forma muito rápida. Na crise anterior, mal ou bem, fomos percebendo o que estava a acontecer [enquanto] esta crise não foi de um dia para o outro, mas foi quase”, afirmou.

De acordo com o responsável, não é possível, para já, dizer que a pandemia provocou um aumento de pessoas em condição de sem-abrigo e defendeu que o foco tem de estar em identificar localmente todos os casos, através de uma comunidade que está sensibilizada para o tema e ajuda a identificar “tão rápido quanto possível” porque “quanto mais rápido for identificada e encontrada solução de encaminhamento, menos difícil é reverter a situação”.

Apesar de frisar que a prioridade durante o último ano foram as pessoas, as equipas e as respostas, admite que é importante ter uma “radiografia” da dimensão atual, revelando que está a fazer “tudo por tudo” para nos “próximos meses” ser possível fazer análise com mais estatística, graças à contagem que está a ser feita pelos 30 Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NIPSA).

Para já, os dados mais recentes – recolhidos em 2020, com referência a 2019 – mostram que "há cerca de 7.100 pessoas na condição de sem-abrigo a nível nacional”, entre pessoas sem teto e pessoas sem casa, que são a maioria.

“Mais de metade das pessoas em 2019 estava na condição de sem casa. O ideal é não ter ninguém na condição de sem casa, mas diria que o prioritário é não ter ninguém na condição de sem teto porque essa é a situação extrema”, apontou.

Henrique Joaquim explicou que a diferença entre as duas definições está no facto de uma pessoa considerada sem teto ser aquela que está a viver na rua, num edifício abandonado, por exemplo, ou mesmo num alojamento de emergência, acabando por ser a “representação [de pessoa sem-abrigo] mais conhecida”.

“Quando a pessoa já está numa resposta de alojamento temporário ou de transição ou de caráter mais definitivo, mas ainda com apoio institucional, nós consideramos que está sem casa, ou seja, é toda aquela pessoa que não está sem teto, mas não tem recursos próprios para suportar a habitação por si mesmo”, explicou.

O coordenador da ENIPSSA adiantou que mais de metade das pessoas em condição de sem-abrigo concentram-se em Lisboa e no Porto, quase 2/3 nas áreas metropolitanas destas duas cidades, havendo também “um número significativo” no Algarve.

Por outro lado, há também “um número significativo de concelhos que não registam qualquer caso ou menos de cinco casos”, referiu.

Relativamente ao perfil das pessoas sem-abrigo, Henrique Joaquim disse que se mantém a maioria de homens na faixa etária acima dos 40, 45 anos, a maior parte de nacionalidade portuguesa, “mas também um número com algum significado de cidadãos estrangeiros ou há pouco tempo no país”.

Com base nesta radiografia, e percebendo que uma das características destas pessoas é a mobilidade, a opção tem sido a de não concentrar as respostas todas nos concelhos de Lisboa e Porto, mas descentralizar para os concelhos próximos, diversificando as respostas “porque as pessoas têm diferentes perfis” e dispersando-as pelo território para que consigam aceder a outro tipo de oportunidades.

Deu como exemplo os protocolos para os projetos ‘Housing First’, assinados com instituições que trabalham em Lisboa, mas que cujas soluções habitacionais estão a ser encontradas em concelhos limítrofes.

Desde novembro de 2020, foram já assinados 17 protocolos para soluções habitacionais, entre projetos ‘Housing First’ e habitações partilhadas, com capacidade para 300 pessoas, estando previstos mais 12 para breve.