José Presa falava à agência Lusa após participar numa reunião de peritos em Lisboa onde se concluiu que, se nada for feito, Portugal só atingirá em 2050 as metas da Organização Mundial de Saúde, que visam reduzir em 90% o número de novos casos de infeção por hepatite B e C e da mortalidade associada em 65% até 2030.

Para o responsável, o país "até estava numa boa posição" depois de ter conseguido, a partir de 2015, disponibilizar tratamento para hepatite C a todos os doentes, mas depois “perdeu caminho”.

“O grande fator de desequilíbrio foi a pandemia”, disse o especialista, lembrando igualmente um outro fator que condiciona o sucesso das políticas públicas nesta área: a falta de dados atualizados.

"Não temos um bom hábito de registo e isso depois reflete-se na capacidade de argumentar, principalmente com o próprio poder político, para reclamar alguma alteração, alguma terapêutica que possamos ter”, acrescentou.

José Presa lembrou que Portugal conseguiu passar “do nada” para “o tudo” no que se refere ao tratamento, sublinhando: “Há países, neste momento, que ainda não têm tratamento disponível para todos os tipos de doentes com hepatite C, como nós temos”.

O especialista recordou que, embora num primeiro momento se tenha tratado os doentes que estavam na base de dados, passou-se depois "para a fase em que se começou a ter dificuldade em diagnosticar".

“Começou a refletir-se verdadeiramente a falta de política de rastreio da população”, o que piorou com a pandemia, disse.

Já em novembro, quando foi lançado o relatório de 2022 do Programa Nacional para as Hepatites Virais, se apontava uma quebra superior a 40% no numero de tratamentos de hepatite C iniciados em 2020 e 2021.

Na altura, os responsáveis pelo programa admitiam que estes valores podiam refletir precisamente o impacto da pandemia de covid-19.

O presidente da APEF participou, no passado fim de semana, numa iniciativa que juntou dezenas de especialistas para partilhar ideias e soluções.

O encontro teve como ponto de partida o facto de, segundo as estimativas, existirem em Portugal cerca de 45 mil pessoas com hepatite C não diagnosticadas, sendo essencial identificá-las para que possam ser tratadas.

“Neste momento estamos precisamente nessa fase: Quem é que vamos procurar para poder diagnosticar e poder tratar?”, considerou José Presa, frisando que a melhor forma de conseguir abranger mais população nos rastreios é através de “rastreios oportunistas” - o doente vai tratar de um outro problema e é rastreado também à hepatite.

A este nível, deu o exemplo de alguns países europeus que aproveitaram a oportunidade da vacina contra a covid-19 e fizeram rastreio à população.

O grupo de peritos reunidos em Lisboa chamou ainda a atenção para o facto de a pandemia ter trazido mais pobreza e mais desemprego, atingindo os mais vulneráveis, lembrando os dependentes de drogas injetáveis que têm recaídas.

Outro dos problemas apontados foi a necessidade de rastrear a população migrante, lembrando que a hepatite não tem sintomas.

Para mostrar como se pode ultrapassar esta barreira do diagnóstico, o responsável dá o exemplo da Madeira: “Houve envolvimento político e será provavelmente a única região de Portugal que vai cumprir as metas” da OMS.