A conclusão consta do relatório intitulado “Estimativa do risco resultante da exposição a águas subterrâneas – São Pedro da Cova”, um documento de 87 páginas elaborado por três peritos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto a pedido do Tribunal de São João Novo, naquela cidade, e a que a agência Lusa teve hoje acesso.

O relatório, que vai ser analisado em 02 de junho pelo tribunal criminal portuense, incidiu sobre as águas de São Pedro da Cova num raio de 1,5 quilómetros em torno do local onde foram depositados os resíduos perigosos.

“Em nenhuma das situações analisadas o índice de perigosidade ou o risco cancerígeno, no caso do chumbo, ultrapassa os valores aceitáveis, num intervalo de variação de ±50% em relação aos valores adotados nos cenários de exposição base, já de si adversos relativamente aos valores mais prováveis”, afirmam os peritos António Fiúza, Cristina Vila e Renata Santos.

Pode-se concluir, portanto, “a partir da análise de sensibilidade, que a avaliação da toxicidade é robusta e que as concentrações medidas na água subterrânea não têm um impacte inaceitável sobre a saúde das populações”, acrescentam.

“Questão pertinente” colocada no relatório e nele respondida diz respeito à forma como a remoção parcial dos resíduos, entretanto operada, pode ter afetado a composição da água subterrânea colhida nos poços existentes na região, “mascarando uma influência ambiental perniciosa”.

Segundo o documento, as amostras recolhidas para alicerçar as conclusões agora sublinhadas “podem ser consideradas como representativas das que seriam obtidas antes da segunda remoção de resíduos [a partir de outubro de 2020] e, eventualmente, da primeira remoção [entre outubro de 2014 e abril de 2015]”.

O estudo foi efetuado em 24 pontos de amostragem, entre piezómetros, furos, poços e nascentes.

Milhares toneladas de resíduos industriais perigosos, provenientes da Siderurgia da Maia, foram depositadas nas escombreiras das antigas minas de carvão de São Pedro da Cova ao longo dos anos de 2001 e 2002.

O caso levou a julgamento três gestores de uma sociedade à qual cabia dar destino aos resíduos e outros três responsáveis de sociedades que tinham a disponibilidade das escombreiras, mas todos acabaram absolvidos em acórdão proferido pelo Tribunal de São João Novo em abril de 2019.

Nove meses após, o Tribunal da Relação do Porto anulou o acórdão e determinou a reabertura do julgamento para esclarecimentos adicionais dos peritos.

Face à exigência, o Tribunal de São João Novo determinou então a analise às águas subterrâneas de São Pedro da Cova.

Após avaliar o relatório agora conhecido e eventuais meios de prova adicionais, o Tribunal de São João Novo ouvirá novas alegações finais e proferirá um segundo acórdão que substitua o proferido em abril de 2019.

Os seis arguidos do processo, acusados da prática do crime de poluição com perigo comum, foram então absolvidos porque "não se provou que atuassem com a intenção de pôr em perigo a vida das pessoas", nem mesmo que tivessem violado as leis ambientais vigentes à época.

"Se a própria DRAOT [Direção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território] teve dificuldade em admitir que os resíduos eram perigosos, não era exigível, à altura dos factos, que os arguidos soubessem", avaliou o tribunal no acórdão que agora vai ser reavaliado.

O crime de poluição com perigo comum é punível com pena de prisão de um a oito anos, "se a conduta e a criação do perigo forem dolosas", e com pena de prisão até seis anos "se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência".

No primeiro julgamento, os peritos ouvidos pelo tribunal responderam com interrogações a perguntas sobre os danos concretos que os resíduos industriais perigosos possam ter provocado na população.

Os resíduos “representam sempre um perigo para a saúde, por causa do chumbo. Se efetivamente causaram dano, não sei”, disse, na ocasião, o perito António Fiúza, um dos subscritores do documento agora produzido.

O último cálculo feito sobre os resíduos industriais perigosos em São Pedro da Cova apontava para a existência de ainda 137 mil toneladas no local, isto depois de no passado já terem sido retiradas 105.600 toneladas.