Não sei se têm andado a par das notícias. Sei que o tempo escasseia quando se anda ocupado a mudar de morada fiscal, com o intuito de obter benefícios com a desgraça alheia, pelo que senti necessidade de não deixar evadir da memória o que é realmente importante.

O site de saúde norte-americano Healthline publicou um guia direccionado para a comunidade LGBTQIA que agitou as redes sociais por substituir a terminologia médica "vagina" pelo termo "front hole" (que em português significa "buraco da frente"). O autor deste guia argumenta no texto original, que foi posteriormente alterado, que este novo termo deve ser usado porque há pessoas que não se identificam com a palavra aplicada aos seus genitais pela comunidade médica, pelo que esta seria uma linguagem de género inclusiva.

Isto levanta outros problemas que, numa primeira abordagem, passam claramente despercebidos. Convenhamos que este novo termo carece de rigor científico e pode levar a uma diminuição da natalidade. Levado à letra, não me espanta que o coito comece a ser efectuado no umbigo, prejudicando de grosso modo a fecundação. É que o orifício da vagina carece de não ter uma orientação anterior mas sim inferior, por isso é que a sabedoria antiga dizia que a vagina não dava para palheiro, porque não é um espaço seco, nem para mealheiro, porque é virada para baixo. À frente resta-nos mesmo o umbigo e a boca. E poupem-me essas mentes pecaminosas.

Renomear a vagina não é um assunto novo. À parte de todos os nomes alternativos que ouvimos diariamente, uns mais vernáculos que outros, é também conhecida pela boca do corpo. Este termo tem sido cada vez mais abandonado talvez por uma banalização do sexo porque, às páginas tantas, já não se sabia qual era o orifício que alimentava o organismo.

Todo o excesso é problemático e deletério. Chamar em demasia a atenção para certos assuntos faz com que, sem querer, os banalizemos e lhes tiremos a força que queríamos dar, fazendo o oposto daquilo por que lutamos. Acontece o mesmo com o humor. Satirizar demasiado um tema pode banalizá-lo e tirar-lhe a força que sempre lhe quisemos dar.

Alterar o nome "vagina" para "buraco da frente" abre um precedente e faz com que tenhamos que renomear tantos outros. Sugiro que "pénis" seja alterado para "cabeça de cima" porque, por norma, é sempre a primeira a pensar. Sugiro ainda que "clitóris" seja alterado para "Isabel". De notar que se fraccionarmos o nome e o traduzirmos à letra, facilmente perceberemos que "Is a bell" quer dizer "é um sino", o que o torna mais apelativo e inclusivo, tal qual um membro da família. De forma discreta pode dizer-se: "tens que dar mais vezes a mão à Isabel", tornando o casal, à vista de terceiros, pais atentos e preocupados. "Dás um beijinho de boa noite à Isabel?" encobrindo uma noite sexual numa aparente prova de amor familiar. Sugiro que também se altere o nome científico "grandes lábios" visto que, ao considerarem a vagina o "buraco da frente", os grandes lábios vão ficar no mesmo plano que a boca dando azo à confusão. Que o diga o meu amigo Mário que, após esta polémica, deu o seu primeiro beijo na boca. Quando já estavam no auge da paixão, ambos lábios com lábios, ela fechou as pernas e partiu-lhe os óculos. Felizmente está fora de perigo, foi só chapa.

Sugiro que metam o nome de "bomba" ao músculo cardíaco, em prol de quem vive sem coração ou que alterem o nome das "cordas vocais" para "intestino", pensando nas pessoas a quem só sai trampa pela boca.

Há um exagero no politicamente correcto que me deixa algo apreensivo porque, à quantidade de buracos que o organismo tem, já não falta tudo para quererem alterar o nome do "corpo humano" para "coador". Chegar-se-á ao cúmulo de marcar encontros reprodutivos com nomes neutros, sempre em prol do correcto, para não chocar: progenitor A e progenitor B, reunem-se no ponto C para realizarem movimentos X, Y e Z.

Não tarda também estão a querer alterar a história da cegonha argumentando que não é ela que traz os bebés, mas sim uma pássara gigante, de forma a serem mais inclusivos. Como "pássara" pode ter uma conotação sexual dúbia, muito provavelmente assumirão que, ao invés de uma pássara gigante, quem traz os bebés é a penugem do buraco da frente, o que vai tirar todo o mistério que os pais quiseram manter por tantos anos.

O termo "buraco" é tudo menos aquilo que querem defender, roçando até o vernáculo. Está ao nível de intitularem a vagina de "poço". Porém, na volta, ainda poupam na conta da água.
Muitos reagiram à notícia a quente, exaltando-se: "buraco da frente, o caral**". Estavam longe de saber que, sem querer, tinham resolvido o problema conseguindo compilar ambos os géneros na mesma expressão.

O facto de certas pessoas não se identificarem com a palavra aplicada aos seus genitais pela comunidade médica leva-me a pensar, uma vez mais, no meu amigo Mário. O Mário é calvo e não se adapta ao termo careca. No entanto toda a gente lhe chama careca e, até então, não há nada que o Mário consiga contra-argumentar porque, para a ciência e para com quem ele convive, continua e continuará a ser careca. Apesar da tentativa de inclusão de champôs antiqueda, o cabelo continua a cair, as entradas continuam a aumentar e os seus desejos de bom ano novo têm vindo a melhorar.

O real problema aqui é que fui para Científico-Natural. Se o termo "vagina" mudar mesmo para "buraco da frente", fiquem a saber que me anularam uma resposta no 10º ano que, pelos vistos, estava certa. Parece que vou ter que pedir a reavaliação da prova e toda a gente sabe que pior do que ser culpabilizado por alterar a morada fiscal para poder beneficiar de ajudas solidárias, é enfrentar uma secretaria de uma escola secundária. Aqui tudo é mais moroso do que a reconstrução de uma casa de primeira habitação em zonas consumidas pelo fogo.

Com esta reflexão sobre o tema apercebi-me que também não me identifico com algumas coisas. Por exemplo, com as regras gramaticais existentes na língua portuguesa, pelo que termino esta crónica, não com um ponto final, mas com um inclusivo ponto do fim.