As lágrimas não apagam fogos. São reactivas e nunca preventivas. Ciclicamente voltamos a enaltecer os bombeiros - de quem nos esquecemos no inverno - e viramos especialistas do desconhecido, numa incessante busca por culpados, desviando atenções e protelando soluções. Fazemos textos bonitos e sábios, os jornais enchem-se de compaixão e dão acesso gratuito às notícias para acompanharmos de perto a desgraça, mudamos a fotografia de perfil e enviamos condolências e orações. E lamentamos, muito. Reunimos likes e, logo à noite, mudamos para o futebol porque "credo, já chega de desgraças por hoje". É da condição humana vivermos neste limiar entre um estado de alerta máximo e uma avestruz.
O problema aqui é que, quem manda, está rodeado de betão e de alcatrão que, convenhamos, arde pouco. O problema aqui é que, quem manda, desloca-se a sítios como Pedrogão, apenas de férias, porque é "in", bonito e tem ar puro. Mas se ardeu e se o ar puro momentaneamente se perdeu, rapidamente mudam os ventos para outro destino. Claro está que, se um chefe de estado ou um familiar do mesmo, se queimar - seja uma simples queimadura solar no dorso, após um dia de praia, ou num dedo, a fazer um belo risotto depois de um sunset, logicamente serão mobilizados meios e tomadas medidas para que tal não volte a acontecer. É criada uma rede nacional de protectores solares e serão movidos fundos da União Europeia para a calamidade e o perigo que é o arroz.
Há vidas que se perderam. Muitas. Outras, mudaram para sempre. E nós, todos nós, somos responsáveis por elas, pelas que vêm e por impedir que se percam
Ano após ano, vivemos e consumimos o que vende. Temos a postura da velhinha cigarra e, na desgraça, invejamos a formiga. Claro que, no país do Fernando Pessoa ou do Eça de Queirós, somos forçosamente bons leitores e, para o ano, cá estaremos a reler esta mesma história.
Vivemos neste belíssimo Portugal. O ouro que temos foi acumulado por Salazar - a maior reserva da Europa e uma das maiores do mundo; o petróleo que temos é importado; e a nossa maior riqueza, a nossa matéria prima, é a floresta - o nosso ouro verde. Há que a levar a sério, respeitá-la e dar-lhe o valor e a atenção merecidos, de forma constante. Durante todo o ano.
Há vidas que se perderam. Muitas. Outras, mudaram para sempre. E nós, todos nós, somos responsáveis por elas, pelas que vêm e por impedir que se percam.
Fazem-se publicações em inglês sobre os fogos em português, dando aquela vontade de publicar que "For those who publish photos and write in english about the fire in Portugal, to show that they have a lot of friends all over the world and that Portugal is too small for them... all of you, should go to caralhinho que vos foda. Cheers and a sandes de courato, que já são horas de comer."
O problema aqui é que, também eu, acordei especialista em tudo, com um doutoramento no sofá. Passo o dia num zapping constante, leio e releio notícias, actualizo o feed e descubro que o João Félix se adaptou bem na estrutura do Atlético. Logo, nem o futebol me espairece a cabeça. Já chega de desgraças por hoje.
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