“A situação é grave porque estas são pessoas vítimas de uma violência extrema: que é a guerra”, declarou, em entrevista à Lusa, Sérgio Cabral, médico coordenador da organização não-governamental (ONG) em Cabo Delgado, Norte de Moçambique.
No total, os números oficiais apontam para existência de mais de 800 mil deslocados dos distritos do norte da província nos últimos quatro anos de conflito armado em Cabo Delgado, pessoas que perderam quase tudo e procuram refúgio nos vários centros de acolhimento criados pelas autoridades ou em casas de familiares e amigos nas consideradas zonas seguras, no sul da província.
“Eles têm de morar em acampamentos improvisados, por vezes sem condições de água e saneamento. São vários transtornos psicológicos acumulados”, frisou Sérgio Cabral, acrescentando que, embora sejam pessoas “muito resilientes e fortes psicologicamente”, as populações estão gravemente traumatizadas.
Para Sérgio Cabral, com a tendência para a normalização da situação nos últimos meses, com a reconquista de pontos importantes que eram dominados pelos grupos insurgentes e os ensaios para reconstrução nas zonas afetadas pelo conflito, um reforço no apoio de projetos de ajuda psicossocial é fundamental para a saúde das populações deslocadas.
“Muitas vezes é durante as atividades recreativas que estes problemas se manifestam”, frisou.
Além do drama dos traumas psicológicos, nos centros de acolhimento e em casas de famílias acolhedoras de deslocados, a malária está entre os principais desafios das populações, com os números a mostrarem quase 30 mil casos confirmados de um total de 80 mil consultas feitas pelas clínicas móveis da MSF nos últimos seis meses.
“No caso da malária, Moçambique estava diminuindo a incidência nos últimos tempos. Mas no ano de 2021 houve um pico muito maior que os anos anteriores. Com essa violência armada, com toda essa guerra e o deslocamento de pessoas, além das condições precárias nos acampamentos, isso afetou o serviço preventivo, que é muito importante para conter a doença”, declarou.
Além da assistência psicológica e dos casos da malária, segundo o responsável da ONG, a falta de infraestruturas e meios de saúde vai constituir um novo desafio na reconstrução, principalmente nos centros de acolhimento que se transformaram em novos bairros.
“Existe um défice porque as unidades de saúde, as ambulâncias e os médicos também foram alvo dessa violência. Os trabalhadores tiveram de fugir, os edifícios foram queimados ou destruídos”, lamentou o médico.
Os ataques armados por insurgentes em distritos do norte de Cabo Delgado provocaram mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.
A luta contra os insurgentes em Cabo Delgado ganhou um novo impulso, quando em 08 de agosto forças conjuntas de Moçambique e do Ruanda reconquistaram a estratégica vila portuária de Mocímboa da Praia, que estava nas mãos dos rebeldes há mais de um ano e que era considerada “base” destes grupos armados, tendo sido o local onde os rebeldes protagonizaram o seu primeiro ataque em outubro de 2017.
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