Foi o arranque de um projeto da Associação Olhar pelo Mundo que ao longo de duas semanas deu apoio em quase 850 consultas, num país onde há um oftalmologista por um milhão de habitantes: o equivalente a ter 10 oftalmologistas para Portugal.

Ana Vergamota, presidente, e Guilherme Neri, vice-presidente da associação, estiveram em Timor-Leste duas semanas e com dois colegas no terreno durante cerca de uma semana.

Cuida bem dos seus olhos? Tome nota destas 10 recomendações médicas
Cuida bem dos seus olhos? Tome nota destas 10 recomendações médicas
Ver artigo

Nesse período os oftalmologistas portugueses realizaram 20 cirurgias de catarata traumáticas, quatro cirurgias de catarata senil e seis cirurgias de traumatismo do segmento anterior.

"Foi muito bom ver, no dia a seguir à cirurgia, um doente que esteve muito tempo sem ver, de repente conseguir voltar a ver a família e o mundo. O sorriso diz tudo. Os doentes acabam por ficar sempre muito gratos com a cirurgia que foi feita", explicou Ana Vergamota.

No final da missão - que querem repetir com ainda maior dimensão nos próximos anos - e em jeito de balanço, explicaram à Lusa o impacto sentido na felicidade e nos sorrisos dos pacientes que, depois de anos sem ver, recuperaram a vista.

Neri recordou em particular o caso de uma jovem de 15 anos que "tinha uma catarata traumática desde os 12 e que estava à espera que a chamassem para a cirurgia".

"Foi a primeira vez que um doente me abraçou quando me viu a chegar no corredor no dia seguinte", contou.

No meio também de casos mais complicados, como o de um paciente com um meningioma (um cancro intracraniano que estava a invadir o nervo ótico) que terá que ser agora seguido na Indonésia, ou a de uma criança de 3 anos, cega de ambos os olhos por leucoma (cicatriz) dos olhos.

"Falta a parte dos consumíveis, mas notamos também uma falta de informação. Muitos doentes que não moram em Díli e que deixam arrastar os casos e que poderiam ter vindo mais cedo", explicou Ana Vergamota.

"Casos de traumatismos que poderiam ter sido resolvidos mais cedo. Há uma falta de informação e muitos não vêm logo ao hospital", disse.

Um dos casos visto foi o de um rapaz de 26 anos que trabalhava numa plantação de café e que já tinha perdido um olho por um traumatismo e que, devido a um segundo traumatismo, há dois meses, desenvolveu um descolamento de retina e perdeu visão do olho que lhe restava.

"Este caso demonstra bem o trabalho que tem de ser feito: temos uma pessoa de 26 anos que ficou cega porque não tem condições de segurança no local de trabalho, não tem acesso a cuidados de saúde, ou os cuidados de saúde a que tem acesso não conseguem dar resposta a estes casos mais dramáticos", disse Neri.

Ana Vergamota notou que outra das tendências é o de inúmeros casos de cataratas entre gente mais jovem, especialmente devido a traumatismo, bem como casos "muito complicados de infeções ou inflamações, que não se veem tanto em Portugal".

10 maus hábitos que afinal podem fazer-nos viver mais anos
10 maus hábitos que afinal podem fazer-nos viver mais anos
Ver artigo

"Nenhum de nos é fluente em tétum, por isso trabalhamos com os médicos que cá existem, dando apoio na consulta. O volume de pacientes é bastante alto. Mais de 100 doentes por dia, em média. E as cirurgias são feitas logo no próprio dia se o paciente e a família quiserem", explicou Neri.

Além do apoio em consulta e cirurgia, os oftalmologistas trouxeram consumíveis de um só uso, essenciais para a oftalmologia e que, em concreto, permitem realizar 150 cirurgias de cataratas.

O objetivo é ampliar o programa no futuro com visitas anuais a Timor-Leste.

Criada em agosto de 2017, a Olhar pelo Mundo quer ajudar a responder às carências em oftalmologia em Timor-Leste onde o trabalho mais destacado foi o da Fred Hollows Foundation que criou a clínica instalada atualmente no Hospital Nacional Guido Valadares, em Díli - onde os oftalmologistas portugueses trabalharam.

A organização recorda que nos países menos desenvolvidos e entre a população com cegueira, quatro em cada cinco pessoas sofre de cegueira por causas reversíveis.

No caso de Timor-Leste, dados do Rapid Assessment of Avoidable Blindness (RAAB) revelam uma prevalência de cegueira de 4,5% na população com mais de 50 anos, sendo a catarata senil a principal causa (79,4%), seguida de patologias do segmento posterior (6,2%) e glaucoma (5,2%).