Desde que, em 1984, começou a trabalhar no Institute of Cancer Researche, no Reino Unido, Sir Mel, recentemente armado cavaleiro pelo Império Britânico, construiu a sua carreira observando a leucemia, e o cancro de uma forma mais ampla, através das lentes da biologia evolutiva.

Um momento decisivo para este investigador surgiu há cerca de 40 anos, quando uma visita a uma ala infantil hospitalar o inspirou a dedicar a sua carreira a esta doença.

Na época, pouco se sabia sobre a leucemia infantil. As mesmas quimioterapias curavam algumas crianças, mas fracassavam noutras, sendo que os médicos eram incapazes de prever se o tratamento seria bem-sucedido ou não.

Então, o professor Greaves começou o seu trabalho na biologia da leucemia infantil, na esperança de melhorar o diagnóstico e o tratamento da doença; por outro lado, este investigador também estava interessado em saber de que forma a sua pesquisa poderia levar a formas de impedir que as crianças desenvolvessem leucemia.

Compreender as origens da leucemia

Na altura, já se sabia que a leucemia era uma doença dos glóbulos brancos, que ajudam a controlar as ameaças ao sistema imune; mas o professor Greaves tornou-se o primeiro a usar métodos inspirados na imunologia para separar a leucemia infantil em subtipos, com base no tipo de célula envolvida.

Ao estudar a identidade das células cancerígenas com anticorpos produzidos no seu laboratório, o cientista deixou claro que a origem celular do cancro de uma criança – parte da sua história evolutiva – tinha um efeito significativo na sua resposta ao tratamento.

Ao concentrar os seus esforços na leucemia linfoblástica aguda, o tipo mais comum em crianças, o professor Greaves estabeleceu um consórcio internacional para classificar diferentes formas da doença.

Em pouco tempo, o seu trabalho levou a que os médicos tratassem os diferentes subtipos de leucemia linfoblástica aguda de maneiras mais sofisticadas ou seletivas, e deu início a outros esforços científicos que levaram à compreensão mais detalhada da leucemia que existe hoje.

Causas e evolução

Por essa altura, o investigador já havia feito uma enorme diferença na vida das crianças em todo o mundo.

Mas uma ligeira mudança de direção, inspirada em estudos anteriores, transformou ainda mais a compreensão da leucemia – e até causou impacto na compreensão do próprio cancro.

Durante a sua pesquisa, o professor Greaves descobriu que o principal subtipo de leucemia linfoblástica aguda tinha um pico de incidência entre os 2 e os 5 anos de idade e era mais comum em países desenvolvidos.

Esta informação forneceu uma forte pista para a causa que ele decidiu seguir; ao observar as diferenças entre gémeos idênticos, que possuem o mesmo ADN herdado, o investigador percebeu que dois eventos distintos impulsionam o desenvolvimento da doença.

Primeiro, os glóbulos brancos específicos têm mutações iniciais que surgem no útero, mas que raramente levam à leucemia, e depois ocorrem “eventos mutacionais” após o nascimento, que preparam a criança para depois desenvolver a doença.

Este desenvolvimento segue as regras da evolução estabelecidas por Charles Darwin: a sobrevivência do mais apto, com células cancerígenas agressivas a surgirem apenas se o ambiente for o “adequado”.

O professor passou a aplicar as suas teorias evolutivas aos cancros de uma maneira mais geral, fazendo grandes perguntas sobre como os tratamentos poderiam ser usados para controlar a doença, influenciando o caminho da evolução.

Isto fez com que ele se tornasse uma figura importante no estudo da evolução do cancro e um exemplo para outros investigadores, conseguindo estabelecer o Centro de Evolução e Cancro no Institute of Cancer Research.

Este Centro é um dos poucos em todo o mundo que se dedica ao estudo da evolução do cancro, e é uma grande promessa para descobrir uma nova onda de fármacos que pode direcionar os processos fundamentais que impulsionam a evolução da doença, ou mesmo controlar a evolução desta.

Infâncias livres de leucemia

Enquanto isso acontecia, o Professor Greaves continuou a liderar pesquisas sobre a sua primeira paixão: salvar a vida de crianças com leucemia.

Num artigo publicado em 2018, que compilou décadas de pesquisas genéticas, imunológicas e epidemiológicas, o investigador sugere que a segunda etapa mutacional – uma mudança genética numa célula pré-cancerígena que a torna cancerígena – vem na forma de exposição a uma doença, ou infeções mais comuns da infância, como a gripe.

No entanto, isso só acontece em crianças que adquiriram a primeira mutação antes do nascimento e, no primeiro ano de vida, têm um déficit de exposição a bactérias benignas ou benéficas que preparam o sistema imune recém-nascido.

Esta é uma visão revolucionária sobre as causas da leucemia que pode ter um impacto de longo alcance na saúde pública.

“Este corpo de pesquisa é o culminar de décadas de trabalho e, finalmente, fornece uma explicação confiável sobre como o principal tipo de leucemia infantil se desenvolve. Ele sugere que a leucemia linfoblástica aguda tem uma causa biológica clara, e que é desencadeada por uma variedade de infeções em crianças predispostas, cujos sistemas imunes não foram preparados”, explicou o cientista.

O futuro

A implicação mais importante desta pesquisa é que a maioria dos casos de leucemia infantil provavelmente é evitável.

Também detém alguns mitos persistentes, prejudiciais mas não substanciados sobre as causas da leucemia, como a doença causada pela exposição a ondas eletromagnéticas ou poluição.

Segundo o cientista, a doença pode ser evitada através de intervenções simples e seguras que exponham os bebés a uma variedade infeções comuns e inofensivas, que são benéficas; o médico vai mais longe, e diz que a doença pode até ser evitada por probióticos orais específicos.

Contudo, “antes de chegarmos a iniciativas de saúde pública, precisamos de testar essa estratégia de prevenção num sistema modelo de leucemia infantil”, explica.

O investigador planeia agora dar início a uma pesquisa para descobrir como, no futuro, a doença pode ser prevenida em crianças, poupando-as ao trauma de um terrível diagnóstico.

“Foi tremendamente gratificante ajudar a desvendar a biologia genética e fundamental da leucemia nos últimos 40 anos. Espero que a nossa pesquisa continue a ter um impacto real nas crianças, ajudando-nos a desenvolver tratamentos mais eficazes e mais amenos – e, potencialmente, prevenindo muitos casos de leucemia infantil”, afirma Sir Greaves.

Fonte: PIPOP