O sistema imunitário desempenha um papel vital na nossa proteção contra agressões externas, sobretudo por infeções, mas também na proteção contra o desenvolvimento de tumores. Diariamente desenvolvem no nosso organismo células, que sofrendo mutações no seu genoma têm potencial cancerígeno.

Diversas observações registadas já desde o final do século XIX, em doentes com cancro, sugeriam que a estimulação do sistema imunitário se pode associar a uma regressão da doença. O conhecimento que hoje temos do sistema imunitário permitiu o desenvolvimento de tratamentos de uma tremenda eficácia na luta contra o cancro. As novas terapias celulares, nomeadamente as que utilizam CAR-T cells, são testemunho disso.

Afinal se o sistema imunitário é tão poderoso como é possível que o cancro seja a principal causa de morte em muitos países, entre eles Portugal?

As células malignas desenvolvem mecanismos de resistência que iludem o sistema imunitário, através de mutações sucessivas vão adquirindo competências que lhes permite enganá-lo. Há vários processos subjacentes à aquisição destas resistências e um deles permite que se tornem invisíveis aos linfócitos T, que desempenham um papel fundamental no reconhecimento das células malignas sendo um dos pilares do sistema imunitário.

Surgiu assim a ideia de equipar os linfócitos T com um dispositivo que lhes permitisse ultrapassar esse bloqueio, dotando-os de um novo processo de reconhecimento das células malignas. Esse novo dispositivo é um recetor novo, colocado na sua membrana celular e a engenharia genética permitiu-o: colher linfócitos T do doente, introduzi-los em laboratório no seu genoma – utilizando como transporte um vírus – um novo gene codificando o recetor novo, ou quimérico (daí o nome Chimeric Antigen Receptor ou CAR), que permite reconhecer novamente as células malignas e destruí-las.

As CAR-T cells, por razões de metodologia científica, foram desenvolvidas inicialmente para o tratamento de cancros do sangue, particularmente linfomas B e leucemias linfoblásticas agudas. Os estudos com a sua utilização surgiram no início deste século, sendo sucessivamente aperfeiçoados até serem oficialmente reconhecidos como tratamento válido em 2017 pelo Food and Grug Administration (FDA) e em 2018 pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Em Portugal são utilizadas desde 2019.

Desde então, alguns milhares de doentes foram já tratados, sobretudo na América, Europa, China e Japão. No início eram utilizadas sobretudo em doentes com situações muito avançadas, hoje posicionam-se em fases mais precoces do tratamento, inclusive como alternativa à transplantação de medula óssea.

É igualmente possível combiná-las com diversas modalidades de tratamento, particularmente com outras formas de imunoterapia. Estamos sem dúvida a assistir a uma verdadeira revolução no tratamento do cancro.

Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL) considera ser oportuno realizar um evento de caráter científico, destinado a profissionais de saúde, para debater todos estes aspetos. Foram convidados vários palestrantes estrangeiros com larga experiência nos tratamentos com CAR-T cells, representantes dos centros nacionais que as utilizam, cientista nacionais interessados na sua produção e nos aspetos regulamentares destes novos fármacos. O programa vai decorrer em Lisboa, no dia 23 de Março, com o apoio da indústria farmacêutica que comercializa esta terapia, e da Associação BataZu, que irá apoiar iniciativas nesta área através da atribuição de uma bolsa de investigação.

Um artigo de opinião de Manuel Abecassis, presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia.