“O SNS afunda-se sob um sistema que assenta grande parte da sua resposta num serviço de urgência hospitalar em dificuldades, desvalorizando o papel indispensável dos cuidados de saúde primários, da prevenção da doença, da promoção e da literacia em saúde”, afirmou Carlos Cortes na sua tomada de posse.

Na sua intervenção, o substituto de Miguel Guimarães à frente da Ordem dos Médicos (OM) salientou que a realidade do setor da saúde evidencia um “balanço preocupante”, em que as “intervenções eufémicas repetidas já não conseguem esconder o que está aos olhos de todos, sobretudo dos médicos e dos doentes”.

O novo bastonário, eleito a 16 de fevereiro na segunda volta disputada com Rui Nunes, citou dados que colocam Portugal, no âmbito da OCDE, “destacadíssimo no primeiro lugar” na utilização das urgências hospitalares.

“Cada vez mais, a necessidade de ter cuidados de saúde em Portugal – independentemente da sua gravidade e natureza – afunila nos serviços de urgência abertos 24 horas por dia, por falta de alternativas viáveis”, alertou o patologista clínico, para quem “nenhum país do mundo resiste a este grau de `urgencialização´ de todo o sistema de saúde”.

Segundo disse, as listas de espera para cirurgia e consultas “crescem exponencialmente na medida do tempo”, por insuficiência de recursos humanos, mas também por falta de salas de bloco operatório ou de gabinetes de consulta.

Além disso, segundo Carlos Cortes, que disse que continua a aguardar que as “palavras de afeto sobre o SNS tomem realmente forma”, o Orçamento do Estado prevê 6,8% do PIB para a despesa pública em saúde, 2% abaixo da média europeia, e com “anos sucessivos de suborçamentação”.

“Não existe nenhum levantamento das necessidades e insuficiências que permita um verdadeiro planeamento económico, estratégico e de recursos humanos. Mantém-se, na gestão em saúde, o princípio arcaico da navegação à vista, sem qualquer perspetiva de médio ou longo prazo, ou sequer além de um mandato eleitoral”, lamentou o bastonário dos médicos.

Já sobre a carreira e as condições de trabalho dos médicos, Carlos Cortes referiu ser “impossível de ignorar as dificuldades” sentidas por esses profissionais, que estão ainda sujeitos a uma “remuneração incompatível com o seu elevado grau” de diferenciação e responsabilidade.

Este impacto é ainda sentido na “falta de condições de trabalho adequadas nos hospitais e nos centros de saúde, elementos desmotivadores que cursam com a dificuldade de captação e fixação dos recursos humanos médicos necessários ao funcionamento do SNS”, salientou.

Para o bastonário, a revisão e aprovação da nova Lei-Quadro das Ordens Profissionais não conseguirá “silenciar os médicos, nem a intervenção da Ordem dos Médicos na defesa da qualidade técnica da Medicina”.

Na sua primeira intervenção oficial com bastonário, Carlos Cortes assumiu também o compromisso de “edificar pontes, de valorizar o diálogo e de construir, ou ajudar a construir, as soluções que o país precisa”, assegurando que não estará disponível para o “conflito permanente”, mas que será “permanentemente exigente”.

Anunciou que vai propor, no âmbito da OM, a criação de um Centro Nacional da Evidência Médica e Investigação em Saúde para defender a melhor a intervenção médica, estimular a investigação e combater as práticas sem evidência científica.

“Quero propor a criação dos Estados Gerais da Saúde em Portugal, que envolverão a OM com todos os seus médicos, do setor público, privado e social, de norte a sul do país, do interior, do litoral e das regiões autónomas, com o objetivo de fazer um retrato preciso do estado da saúde e apresentar um relatório pormenorizado, apontando soluções e uma estratégia de construção de um novo modelo adaptado às exigências da sociedade”, avançou.

Adiantou ainda que a ordem deve alargar o seu espaço tradicional de intervenção, envolvendo-se nas áreas dos determinantes em saúde e em todos os aspetos que alterem o bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença, tal como define a Organização Mundial de Saúde.

Carlos Cortes é o 16.º bastonário a assumir o cargo em 84 anos de existência da ordem, depois de ter ganho as eleições com 61,94% dos votos.