Muitas mulheres, influenciadas por um ideal de beleza da "pele clara", despigmentam a pele em alguns países da África Ocidental, principalmente com a ajuda de cremes disponíveis nos mercados, apesar de serem prejudiciais à saúde.

É "um problema de saúde pública global que requer atenção urgente", alertou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em novembro.

Nos últimos anos, além das pomadas – algumas das quais envelhecem prematuramente a pele, causam espinhas ou contêm substâncias cancerígenas – surgiram ampolas e loções.

Os líquidos, injetáveis na corrente sanguínea, são muito populares, principalmente entre as mulheres mais jovens. Prometem um efeito "mais rápido" e "uniforme", explica Marcellin Doh, presidente de um coletivo de ONGs que luta contra esta prática na Costa do Marfim.

Até agora, nem as autoridades de saúde nem a OMS parecem abordar seriamente os riscos específicos destas injeções, ao contrário dos perigos dos cremes, que estão amplamente documentados.

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Com uma composição pouco transparente, alimentam uma rede de fraudes, como demonstra um produto adquirido pela AFP na Costa do Marfim e enviado à França para análise, que revelou uma diferença entre o que foi anunciado na embalagem e o conteúdo.

Em Cocovico, um mercado de Abidjan, uma mulher pede para comprar um líquido que "clareia a pele". Uma vendedora tira um lote de dez frascos de dentro de uma pochete e negocia o preço por pouco mais de 40 dólares (quase 37 euros).

Para além dos discretos pontos de venda físicos, dezenas de páginas do Facebook da Costa do Marfim, de Camarões, do Senegal e até mesmo da Nigéria divulgam abertamente estas substâncias, prometendo um "clareamento uniforme até à medula óssea".

A gerente de uma loja online localizada em Abidjan, contatada por telefone e que pediu anonimato, afirma vender "produtos importados" do sudeste asiático, da Itália e da Suíça.

Na opinião desta gerente de loja, os produtos são "de boa qualidade" porque "são medicamentos".

Na realidade, a composição deste produtos não tem nenhuma fiscalização, assim como o método de fabricação. Se fossem medicamentos, o desvio poderia ter consequências graves.

"Devido aos efeitos colaterais, presume-se que sejam corticosteróides", explica Sarah Kourouma, dermatologista do hospital de Treichville, em Abidjan.

Estes potentes anti-inflamatórios geram "despigmentação da pele quando utilizados durante muito tempo e em elevadas doses", mas também podem causar diabetes e hipertensão, explica.

Na África Ocidental, mulheres arriscam saúde para atingir o ideal de beleza da
Produtos cosméticos para clarear a pele à venda no mercado Koumassi, em Abidjan. créditos: AFP or licensors

Riscos para a saúde

As mulheres com melhores condições financeiras recorrem a injeções à base de glutatião, um antioxidante natural prescrito para pacientes com cancro ou Parkinson, observa Grace Nkoro, dermatologista do hospital ginecológico-obstétrico de Yaoundé, nos Camarões.

Nkoro atendeu vários pacientes com problemas de pele ou que desenvolveram insuficiência renal após "comprarem estas injeções na Internet".

Pode dizer-se o mesmo de Kourouma, em Abidjan, que descreve "mulheres jovens, instruídas, entre os 25 e os 30 anos" que injetam estas substâncias "todas as semanas, às vezes de dois em dois dias", sem conhecerem exatamente a sua composição.

As pacientes apresentam "patologias de pele como acne ou manchas pretas muito difíceis de tratar", detalha.

No Gana, as autoridades emitiram um alerta em outubro de 2021. As injeções de glutatião "representam um risco para a saúde, com efeitos colaterais tóxicos para o fígado, rins e sistema nervoso" e podem causar a "síndrome de Stevens-Johnson" (putrefação da pele).

Outro perigo são as injeções, muitas vezes aplicadas por vendedoras na rua ou nos fundos de uma loja e com risco de transmissão de infecções, incluindo hepatite e HIV.

Embora as autoridades da Costa do Marfim tenham emitido um decreto em 2015 que proibe certos produtos para clarear a pele, como os derivados de corticosteróides, outros derivados de glutatião não estão na lista.

Estes produtos permanecem amplamente acessíveis nos mercados e na Internet. A AFP conseguiu obtê-los ao entrar em contato com uma vendedora de injeções de glutatião nas redes sociais.

Adquirido em Abidjan num lote de 16 frascos por 125 dólares (115 euros), o produto sugere a presença de glutatião devido ao nome ("Glutax 7000000 GM").

As amostras enviadas para Paris para análise no laboratório de toxicologia do hospital Lariboisière mostraram apenas a presença de vitaminas, proteínas e açúcar, mas nenhuma glutationa.

Na África Ocidental, mulheres arriscam saúde para atingir o ideal de beleza da
Produtos vendidos como glutationa (ou glutatião) para serem administrados por injeção. créditos: AFP or licensors

Padrões estéticos coloniais

Face ao que parece ser uma fraude, a AFP procurou o fabricante. No site, a Dermedical Skin Sciences afirma ter um laboratório em Itália. No endereço indicado em Milão, o Google Maps localiza um campo de golfe e uma piscina municipal.

O telefonema, para um prefixo de Gênova – a 150 km de distância -, foi atendido por uma voz feminina que dizia ser um número privado.

Não existe nenhuma empresa registada com o nome "Dermedical Skin Sciences" no registo comercial italiano.

Contactado pela AFP, um comerciante marfinense que vende o mesmo produto da marca "Glutax" afirmou ter estabelecido uma relação com um "retalhista de Manila", capital das Filipinas, muito longe da Itália.

No Google Maps, a empresa "Glutax" aparece em Manila e acumula mais de 120 avaliações de clientes.

Esse país abriga um grande número de retalhistas e revendedores que abastecem principalmente os mercados africanos, embora com produtos injetáveis à base de glutatião que são proibidos nas Filipinas.

Apesar das fraudes, das proibições e dos riscos para a saúde, muitas mulheres na Ásia e em África recorrem a estas injeções de "clareamento", que correspondem a padrões estéticos "herdados do período colonial", analisa a investigadora do Instituto Nórdico de África, Shingirai Mtero.

A OMS estima que o clareamento da pele, apesar das advertências, esteja generalizado em África, e afeta até 75% da população da Nigéria.

"Os países africanos saíram da colonização, mas não se emanciparam dos preconceitos que lhes foram impostos", destaca Mtero.

Reportagem de Mariétou BÂ e Emilie BERAUD