“As mulheres que nós estudámos revelam muito mais comportamentos de risco para a saúde do que a população em geral, revelam mais problemas de saúde mental e de saúde física, e revelam mais história de traumatismo e intoxicações”, referiu Teresa Magalhães, professora de Medicina Legal e Ciências Forenses da FMUP.
No que diz respeito a problemas de saúde, além de perturbações da saúde mental, em causa podem estar problemas como diabetes, enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e cancro.
O estudo da FMUP, publicado no International Journal Environmental Research and Public Health, revista internacional especializada em saúde pública, tem como base os registos clínicos eletrónicos de 20 anos de funcionamento da Unidade de Saúde Local de Matosinhos (ULSM).
O período estudado foi de 2001 a 2021 e, no total, foram estudados os registos de 1.676 mulheres entre os 16 e os 60 anos de idade.
Estas mulheres foram identificadas pelos médicos como vítimas ou prováveis vítimas de violência física, emocional, psicológica e/ou sexual, perpetrada por parceiro íntimo, atual ou passado.
Este número representa 2,3% do universo (mais de 72 mil) das mulheres que recorreu à unidade de saúde em estudo, no mesmo período, e sobre o qual não recaiu qualquer suspeita de vitimização.
De acordo com a FMUP, “estes resultados parecem indicar uma taxa de deteção da violência muito baixa por parte dos médicos, uma vez que se estima que a prevalência de mulheres vítimas deste tipo de violência seja de 18% em Portugal e 27% em todo o mundo”.
À Lusa, Teresa Magalhães explicou que a publicação deste estudo serve, assim, de “alerta”.
“Os médicos podem ter percebido [que existia algum indício de violência], mas nós não acedemos ao que está nas informações confidenciais. E escrever nas informações confidenciais de pouco ou nada serve nestes casos que são crime público. Estas pessoas têm de ser encaminhadas para profissionais de saúde que saibam intervir para se poder travar esta escalada de danos na saúde à qual as pessoas estão sujeitas”, disse a investigadora.
Sobre o desfasamento entre o número de vítimas identificadas pelos médicos e o número expectável, este dado pode ter a ver com o segredo médico ou as complexidades inerentes ao registo de factos que envolvem a prática de crime.
“Nada que justifique a passividade dos clínicos”, lê-se no resumo da FMUP.
O estudo também destaca o stresse traumático associado a experiências violentas, que pode causar distúrbios no normal funcionamento do organismo da mulher, interferindo em vários sistemas, designadamente o sistema nervoso, o sistema imunológico e o sistema endócrino.
Os dados apontam, ainda, que estas mulheres têm um risco 3,6 vezes superior de padecerem de problemas de sono e um risco 2,4 mais alto de terem dor crónica inespecífica.
A probabilidade de sofrerem de ansiedade e doenças mentais também mais do que duplica, o que explica o maior consumo de ansiolíticos (1,7 vezes maior), bem como de outros fármacos prescritos para o tratamento de doenças psiquiátricas.
Do mesmo modo, constata-se que a ideação suicida (pensar no suicídio) é 8,6 vezes superior.
Outra conclusão aponta para um risco aumentado de comportamentos de risco para a saúde, como o consumo de álcool, tabaco e outras substâncias aditivas.
Neste último caso, o risco chega a ser 13 vezes maior do que na população de mulheres não vítimas.
Este estudo junta os investigadores da FMUP Maria Clemente Teixeira, Teresa Magalhães, Ricardo Dinis-Oliveira e Tiago Taveira-Gomes, a Joana Barroca, médica da ULSM.
À Lusa, Tiago Taveira-Gomes, professor da FMUP e investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, explicou a importância de elaborar os chamados “estudos do mundo real” em alternativa a estudos baseados em amostras.
“Trabalhar com amostras está sempre sujeito a um grau de viés se os métodos de seleção não forem amenizados. Atendendo a que hoje em dia, graças à forma como está organizado o Sistema Nacional de Saúde, em particular as ULS, há locais onde existe informação sistematizada, há fontes de informação muito completas. Torna-se possível gerar evidência com um grau de detalhe que antes não era possível”, concluiu.
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