Ao comparar os dados de quase 4 mil pessoas, os investigadores identificaram que as mulheres são mais suscetíveis do que os homens a ter declínio cognitivo mais acelerado quando a glicemia não é controlada. No trabalho, curiosamente não foi identificada perda de memória entre os problemas cognitivos, mas sobretudo prejuízos nas chamadas funções executivas – processos cognitivos que envolvem o controlo de emoções, o planeamento e a realização de ações e pensamentos.
“O declínio cognitivo pode ocorrer com o envelhecimento, como resultado de alterações no sistema nervoso central. Mas o que vimos no estudo é que ele se deu de forma mais acelerada em mulheres com diabetes e sem o controlo adequado da glicemia. Entre os homens, não foi observada associação entre diabetes e declínio cognitivo, seja com glicemia controlada ou não. Isso mostra a importância de aprofundar o entendimento sobre como as doenças se dão de diferentes maneiras entre homens e mulheres e também, no caso do diabetes, sobre a importância do controlo glicémico adequado”, disse à Agência FAPESP Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e orientador do estudo.
Publicado na revista Journals of Gerontology Series A, o estudo analisou os dados de 3.984 participantes com mais de 50 anos – sendo 1.752 homens e 2.232 mulheres – por oito anos. Os participantes integram o Estudo ELSA (acrónimo em inglês para Estudo Longitudinal Inglês do Envelhecimento). O ELSA recolhe dados multidisciplinares de uma amostra representativa da população britânica e é conduzido pela University College London - UCL (Reino Unido). A pesquisa sobre diabetes e prejuízo da função cognitiva foi desenvolvida pela investigadora Natália Cochar Soares, bolsista da FAPESP, com participação de coautores da Universidade de São Paulo (USP) e UCL, além da UFSCar.
O diabetes é uma doença com forte impacto em diferentes órgãos, como os rins, olhos, músculos, nervos e cérebro. Isso porque o excesso de glicose no sangue causa diversas lesões nos vasos sanguíneos, acarretando o aumento de fatores inflamatórios que podem levar a gangrena, amputação, insuficiência renal, comprometimento da visão e risco aumentado de doenças cardiovasculares. No caso do cérebro, os fatores inflamatórios podem acarretar atrofia, redução da quantidade de neurônios e alterações em áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal, relacionados a domínios cognitivos como as funções executivas.
“O declínio cognitivo nesses casos, portanto, está associado à doença de pequenos vasos cerebrais. Uma possível explicação para a aceleração observada apenas em mulheres sem controlo glicêmico adequado são fatores hormonais. O estrógeneo é um neuroprotetor conhecido, mas durante a menopausa ocorre uma redução desse hormona nas mulheres, o que pode acarretar maior vulnerabilidade”, explica Soares.
“Mas há também fatores sociais. No estudo, os idosos britânicos tinham maior escolaridade que as mulheres. Sabe-se que a escolaridade contribui para que haja uma maior reserva cognitiva, mecanismo possivelmente capaz de compensar os efeitos de uma lesão cerebral. Independente do motivo que leva a essa diferença entre homens e mulheres, os resultados chamam a atenção para a necessidade de um controlo glicémico adequado”, completa a investigadora.
Soares explica que existem seis domínios cognitivos: função executiva, linguagem, atenção, memória, perceptomotor e cognição social. No estudo, os pesquisadores observaram declínio na cognição global e na função executiva, mas não encontraram prejuízos de memória.
“Isso foi um pouco surpreendente, pois geralmente o início do declínio cognitivo tende a ocorrer na memória e não foi o que aconteceu nos casos estudados. Há uma explicação fisiológica para isso: as estruturas cerebrais que vão ser comprometidas por conta das alterações vasculares inflamatórias do diabetes são as responsáveis pela função executiva e não pela memória. O diabetes afeta áreas cerebrais mais associadas às funções executivas, como o córtex pré-frontal”, diz Soares.
No trabalho, o controlo glicémico foi avaliado por meio dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) no sangue – parâmetro que reflete a quantidade de açúcar circulante. Nos indivíduos com diabetes, a meta glicémica é atingida quando os níveis de HbA1c estão entre 6,5% e 7%, o que caracteriza o adequado controlo glicémico. Já níveis de HbA1c acima de 7% correspondem a um pior controlo glicémico.
Um estudo anterior, realizado pelo mesmo grupo de pesquisadores mostrou que um controlo glicémico não adequado acarreta um maior declínio da velocidade de caminhada em pessoas idosas (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/52183).
“Com esses dois trabalhos mostramos a importância do bom controlo glicémico para a cognição e mobilidade de pessoas idosas. Isso mostra a necessidade de um controlo glicémico mais rigoroso, independente da condição. Defendemos que o valor de HbA1c precisa de ser mantido entre o 6,5%, que é o ponto de corte da normalidade, e o 7%, que é o bom controlo da glicemia. O descontrolo contínuo da glicemia pode gerar lesões a longo prazo nos vasos sanguíneos que resultam em uma série de problemas em diversos órgãos, inclusivamente de cognição e mobilidade”, diz o investigador.
O artigo intitulado Sex Differences in the Trajectories of Cognitive Decline and Affected Cognitive Domains Among Older Adults With Controlled and Uncontrolled Glycemia pode ser lido em: https://academic.oup.com/biomedgerontology/article/79/7/glae136/7679609.
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