O juiz presidente do coletivo comunicou, na leitura do acórdão, que "não há dúvida que as práticas [em julgamento] integram o crime de mutilação genital feminina" e recordou que esta prática é "uma flagrante violação de direitos humanos".

O juiz realçou ainda a "elevada ilicitude, é uma mãe que atenta contra a própria filha", a "premeditação" de uma viagem organizada à Guiné e a falha nos "deveres de cuidado" para com a filha bebé.

"Não ficou provado que tivesse sido a arguida, ela própria" a executar a mutilação genital da filha, reconheceu o juiz, considerando, porém, que ficou provado que a prática foi realizada "a seu pedido".

Por outras palavras, "não ficou provado que a referida intervenção tivesse sido feita sem o seu consentimento e na sua ausência".

Em declarações aos jornalistas, no final da sessão, o advogado de defesa, Jorge Carlos Gomes, adiantou que, após consultar a sua cliente, deverá apresentar recurso da decisão de primeira instância.

Maimuna, nascida em Portugal a 25 agosto de 2017, tinha um ano e alguns meses quando viajou com a mãe para a Guiné-Bissau, a 04 de janeiro de 2019. Rugui queria "mostrar a filha aos familiares" residentes no país africano.

Regressaram a 15 de março de 2019 e três semanas depois Rugui levou a filha a uma consulta no centro de saúde, alegando que ela estaria com "assadura da grada".

Apesar de ter sido aconselhada nesse sentido, a arguida não levou a filha ao hospital.

Já no decurso do julgamento, a menina foi sujeita a perícia médica, na qual foram detetadas cicatrizes "compatíveis com uma mutilação genital feminina de tipo IV" e "não compatíveis com assadura da fralda", como alegado pela defesa.

Realçando as "lesões permanentes" causadas à filha menor, na altura com um ano de idade, o coletivo entendeu que a arguida "sabia o que estava a fazer e o que isso significava" em termos de consequências, concretamente que "tal conduta era punida por lei".

Essas lesões foram "necessariamente causadas por terceiros", o que pressupõe uma "atuação criminosa", frisou o juiz, considerando que a arguida "não soube proteger a filha de práticas lesivas para a sua saúde".

O facto de a arguida não ter antecedentes criminais foi tido em conta, mas o coletivo considerou que a sua juventude - à data dos factos com 19 anos, hoje tem 21 - não poderia servir de atenuante.

O tribunal entendeu, aliás, que, dado que "não mostrou qualquer arrependimento", a arguida levanta a possibilidade de reincidência no futuro.

O coletivo decretou ainda o pagamento de uma indemnização de 10 mil euros à menor, que está à guarda da mãe, que aguardará em liberdade o resultado do recurso.

Este foi o primeiro julgamento por um crime de mutilação genital feminina em Portugal, onde a prática é considerada crime autónomo desde 2015, punido com pena de prisão de dois a dez anos.