A comunidade médica enfrenta o dilema de atuar com cautela perante o aumento de casos de pessoas que solicitam a transição de género. Em fevereiro de 2022, o país decidiu suspender o tratamento em menores, com algumas exceções. Em dezembro do mesmo ano, a agência de saúde da Suécia passou a restringir drasticamente a mastectomia em adolescentes.

"O estado incerto do conhecimento sobre o assunto pede prudência", disse Thomas Linden, chefe de departamento da Socialstyrelsen, em comunicado.

A história da linda e inteligente Trinetra, a médica transgénero que se tornou estrela nas redes sociais
A história da linda e inteligente Trinetra, a médica transgénero que se tornou estrela nas redes sociais
Ver artigo

Em Espanha a “lei para a igualdade real e efetiva das pessoas trans” permite mudar de género no registo civil em Espanha, a partir dos 12 anos, sem parecer médico. Será necessária autorização de um juiz para os casos entre os 12 e os 14 anos e dos pais ou tutores legais entre os 14 e os 16 anos, mas para maiores de 16 anos bastará a própria vontade de quem quiser fazer a alteração de género. Em todos os casos deixam de ser necessários pareceres médicos e provas de qualquer tratamento hormonal para retirar a carga de patologia à mudança de género. “As pessoas trans [transexuais] são quem são”, sem precisarem de “pedir autorização ou desculpa a ninguém”, e cabe ao Estado reconhecer-lhes os direitos, afirmou a ministra da Igualdade, Irene Montero, no encerramento do debate parlamentar.

Suécia segue outro rumo

Em sintonia com uma tendência em vários países ocidentais, a Suécia registou um aumento acentuado de casos de disforia de género, ou seja, quando uma pessoa não se identifica com o sexo físico ou o atribuído no nascimento.

Segundo o Socialstyrelsen, cerca de 8.900 pessoas foram identificadas com esta condição entre 1998 e 2021, ano em que o país registou 820 novos casos.

Esta tendência é particularmente maior entre os 13 e 17 anos, em pessoas identificadas como mulheres no nascimento. Isso representa um aumento de 1.500% em relação a 2008.

"Antes era um fenómeno principalmente masculino e agora há uma super-representação feminina", disse à AFP o psiquiatra Mikael Landen.

O médico, que trabalha como chefe de serviço no hospital Sahlgrenska em Gotemburgo, contribuiu para o estudo utilizado pela agência de saúde para emitir as suas recomendações. Porém, para Landen, as razões por trás do aumento são um "mistério".

"A tolerância tem sido alta na Suécia há pelo menos 25 anos, então não se pode dizer que isso mudou", analisou quando questionado sobre a hipótese de uma transformação social.

Um debate aberto

O perfil das pessoas diagnosticadas com a disforia de género costuma ser complexo e pode coocorrer com transtornos como défice de atenção, problemas alimentares ou autismo.

A decisão do país, que foi o primeiro do mundo a permitir a readequação sexual em 1972, abriu caminho para que o sistema público de saúde assumisse os custos da cirurgia. No entanto, essa decisão preocupa algumas associações.

Para Elias Fjellander, presidente da divisão juvenil da RFSL, principal ONG sueca que lida com questões LGBTQIA+, a Suécia pode causar mais dor com essa deliberação.

"As pessoas poderiam precisar de mais cuidados e procedimentos invasivos no futuro porque essa decisão não pode ser tomada de forma precoce, ainda que por razões médicas", afirmou.

Mulher dá à luz em corredor de hospital e fotógrafa capta o momento
Mulher dá à luz em corredor de hospital e fotógrafa capta o momento
Ver artigo

Para Antonia Lindholm, uma jovem de 20 anos que realizou a sua transição durante a adolescência, "as hormonas salvam muita gente". "Se eu tivesse 13 anos hoje, não teria nenhuma hipótese" de receber o tratamento, disse à AFP.

Mas há pessoas que, tendo completado uma transição hormonal, apoiam a nova política sueca, como Mikael Kruse, que passou pela transição de género ainda jovem e depois decidiu reverter o processo. "Acho que não há problema em fazer uma pausa para entender se o que está a acontecer é uma coisa boa", contou à AFP.

Por sete anos, Kruse assumiu a identidade feminina, ainda que isso não tenha interrompido a sua angústia. Então, um segundo diagnóstico revelou que ele sofria de um transtorno do espectro autista, somado a um transtorno de défice de atenção.

O sofrimento que ele percebia como vindo do seu género estava, afinal, relacionado com outros motivos, e por isso decidiu assumir a sua identidade masculina.

Para Carolina Jemsby, coautora do documentário "The Trans Train" (2019), que relata o tratamento de crianças e adolescentes que passam pela transição de género, o debate atual "é mais complexo do que o sistema de saúde e a sociedade esperavam". "Um dos aspectos desse dilema é que se transformou numa questão política", contou à AFP. "Isso não auxilia esse grupo que precisa de cuidados médicos cientificamente comprovados para ajudá-los e dar-lhes uma vida melhor”, finalizou.