O tempo pós-moderno tem-se incidido, peremptoriamente, na agrura epistemológica que opõe “terapêuticas”, com a medicina a fazer relevar-se, sobretudo, pelo método clínico 1, 2, quiçá biomecânico 3, e as terapias “não convencionais” a ultimarem, inclusivamente, a reactualização do discurso “espiritual”. Mas, mais do que uma oposição metodológica, aquela agrura vem, essencialmente, reactualizar a importância da filosofia epistemológica, bem como da “ética”, assim como do equilíbrio que ela recruta necessariamente.
De facto, este é um equilíbrio sempre precário, que se faz de uma dialéctica constante, histórica, entre a razão “ideal” 4, que fraqueja face à subjectividade “pessoal”, e a empiricidade, que se pretende “impessoal” e objectiva. A Razão “ideal” dita a norma logóica primária, mas é precisamente quando surge um excesso idiossincrático de uma lógica “totalizadora” que se expende a compensação empírica, a manifestação somática e dolorosa. Por sua vez, o excesso empírico, nomotético, pode ser compensado com a defesa racional. Mas esta poderá ser de mote a re-racionalizar o Sistema global, criando uma nova moral, obrigatoriamente manifestável empiricamente. A “razão” empírica é dual e abarca um rigor de “divisão” do Objecto terapêutico, portanto, a sua moral é necessariamente “dual”. Mas o seu Objecto “absoluto” não se exclui de uma “totalidade” 4. É preciso dividir para voltar a unir. A moral “ideal” exige a diluição da dualidade científica, a sua transformação num cabal instante de “insofrimento”. Não é já isto medicina ou, até mesmo, razão, é Ideal, que se subtrai constantemente ao rigor materialista.
Comummente, as terapêuticas “não convencionais” se têm feito portadoras do discurso “holístico”, falta-lhes, claro, o rigor dual capaz de esquivar as suas fábulas e ilusões. De resto, verifica-se, aqui, um equilíbrio dialéctico semelhante ao apresentado em cima: os “ideais” não convencionais excedem-se, fazendo recrutar a defesa empírica, esta, por sua vez, gera defesa “ideal”. Se o tempo moderno permite o domínio da robustez científica, poderá ser de mote a descompensar “idealmente” os “pós-modernos”, por outro lado, como a descompensação é o princípio da sublimação dominadora, os “pós-modernos” poderão criar a dúvida “desequilibrante” nos modernos.
A “vida” histórica 4 implica, fundacionalmente, a dialéctica em questão. O perfeito empirismo exige a extinção da dúvida clínica, a partir dela, tudo seria claro, distintivo, e a dor não se transtornaria sofrimento sem que a medicina resolvesse eficazmente o desequilíbrio em causa. Mas o excesso “clínico” pode, ainda assim, descompensar, fazer sofrer, os que precisam mais de um apoio psicossocial. O que acarreta, por um lado, que tem de existir a tolerância clínica necessária ao “normal” funcionamento da dialéctica sistemática, e, por outro, que a ciência tem de possuir um mínimo de receptividade psíquica, de modo a não escusar as necessidades dos que procuram a ajuda do clínico. Porque estamos em tempo “moderno” 2, e como a ciência possui a sua robustez dominante, não é, de todo, vantajoso matar o seu rigor, mas também é escusável perder os seus adeptos para a fábula pós-moderna; no entanto, os que preferem a fábula devem ser respeitados, doutro modo, reinicia-se o reino do Ideal, capaz de criar uma série de destroços. Não que não exista adaptação empírica ao mesmo, mas o equilíbrio exige a natural satisfação temporal de uma certa previsibilidade.
Pode, assim, a esfera clínica providenciar a dupla individualidade científico-liberal e totalizadora, escusando os atropelos. Doutra maneira, resta a transformação incessante e inacabável, mas mesmo esta é de mote a fazer-se dentro de certos limites “naturais”. Para alguns, a transformação “biomédica” do Soma é, meramente, vantajosa para o sistema “liberal” 2, porque não providencia um Estado de insofrimento puramente equilibrado e “resolvido”, mas, e sobretudo na modernidade científica e “realista”, providenciar o mero “insofrimento” sem ter em conta o princípio da Realidade empírica parece, igualmente, pouco “resolvente” e efectivo. Claro está que não compete, somente, à psicologia empírica conseguir equilibrar as variáveis em jogo, aliás, também ela se tem, muitas vezes, feito valer pela armadilha da subjectividade – como acontece, frequentemente, no exercício psicoterapêutico e psicanalítico -, é a tarefa de todo o clínico, no qual a subjectividade não é deplorável, desde que não fira a valência “realista”.
Referências bibliográficas
- Bernard C. Introdução à medicina experimental. Guimarães edições; edição original de 1865.
- Foucault, M. A origem da clínica; edição original de 1926.
- La Mettrie. O homem-máquina. Lisboa: Editorial Estampa; edição original de 1747.
- Hegel GWF. A ciência da lógica. Edição original de 1812-1816.
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