O que é o Lúpus Eritematoso Sistémico e como se manifesta?

O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) é uma doença auto-imune. Diz-se “imune” porque a base da doença e o que provoca a sua atividade é o sistema imunitário, o mesmo que nos protege das infeções, por exemplo. “Auto” porque, neste caso específico, o sistema imunitário se vira para dentro, reconhecendo ou reagindo, inapropriadamente, contra “alvos” do próprio.

O LES é frequentemente usado como paradigma de doença auto-imune sistémica, porque pode atingir vários órgãos, ou sistemas de órgãos, do nosso corpo, e pode fazê-lo em simultâneo. Na grande maioria das doentes atinge predominantemente a pele e as articulações, além de algumas alterações analíticas – das células do sangue ou de parâmetros imunológicos. Noutros, pode acometer o rim, o sistema nervoso ou respiratório, por exemplo.

O Lúpus é uma hipótese de diagnóstico frequente, pela variedade de sintomas que dele podem resultar. Pelas mesmas razões, é, simultaneamente, uma doença de diagnóstico complexo e marcadamente clínico. Um recente inquérito a milhares de doentes de toda a Europa diz-nos que há um atraso de, em mediana, dois anos entre o aparecimento de sintomas e o diagnóstico. É também por isso que celebramos o Dia Mundial do Lúpus, para a tornar uma doença cada vez menos invisível, alertando e promovendo a rapidez no acesso dos doentes aos especialistas.

A complexidade do Lúpus passa também pela possibilidade que a doença tem de mudar ao longo do tempo, para o mesmo doente. Na maior parte das vezes, tal manifesta-se por uma redução progressiva da atividade da doença, seja de forma espontânea ou através dos tratamentos. Noutras, períodos de calma são interrompidos, não obstante, por outros de atividade. Para quem vive com Lúpus, porque é doente ou familiar e cuidador, há uma questão persistente – quanto tempo estará calmo o “meu lúpus”? Ou ainda - se ressurgir, que órgãos poderá afetar? Os mecanismos que governam esta alternância ainda não são claros, mas há cada vez mais trabalho neste sentido. O nosso grupo de investigação tem-se dedicado de forma central a esta questão.

Sendo uma doença autoimune, há alguma causa associada ao lúpus ou as causas são desconhecidas?

Não há uma causa específica para o LES. Sabemos, isso sim, que há um risco genético. Familiares diretos de doentes desenvolvem a doença com maior frequência do que outras pessoas, por exemplo. Mas não há um único gene responsável (estudos de grande porte apontam para mais de uma centena de genes de suscetibilidade, cada um responsável apenas por uma pequena parte do risco, insuficiente por si mesmo). Claro que pessoas próximas tendem a partilhar o ambiente de forma próxima, também. E aqui está a segunda parte da equação – o ambiente. Sabemos que a exposição tabágica, à sílica ou a determinados vírus, por exemplo, pode elevar o risco de doença ou sua exacerbação. O que é importante reforçar é que falamos sempre em riscos e não em sentenças.

Quem é Daniel Guimarães de Oliveira?

Daniel Guimarães de Oliveira
Daniel Guimarães de Oliveira

Daniel Guimarães de Oliveira é médico especialista em Medicina Interna, dedicado à Imunologia Clínica.

Integra a equipa da Unidade de Doenças Auto-Imunes do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Penafiel, e do IMEI - Instituto Médico de Estudos Imunológicos, no Porto.

É doutorando em Ciências Médicas, na área do Lúpus Eritematoso Sistémico, desenvolve investigação clínica e translacional integrado na UMIB - Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica do ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, onde também é docente, e i3S – Instituto de Investigação e Inovação para a Saúde, ambos da Universidade do Porto.

As mulheres são mais afetadas pelo lúpus do que os homens. Sabe-se quais os motivos?

Este é uma das circunstâncias comuns à maioria das doenças auto-imunes, o que faz pensar, obviamente, que exista uma associação. No caso específico do LES acredita-se que as diferenças hormonais, em particular os níveis de estrogénios, possam, por exemplo, afetar o desenvolvimento dos linfócitos (que assim têm a sua “aprendizagem” desviada), diminuir a remoção do “lixo circulante” (cuja presença faz com que algumas células fiquem “zangadas”) ou aumentar a produção de algumas interleucinas (que, como diz o nome, são “mensagens” entre leucócitos) levando ao aumento da atividade do sistema imunitário.

É possível prevenir o lúpus?

É difícil prevenir uma doença cuja causa não se conhece ainda, e que, provavelmente, não será única. Ninguém poderia alguma vez ter feito algo para evitar completamente ter Lúpus. É uma doença pessoal e intransmissível.

Uma vez feito o diagnóstico é, no entanto, seguramente possível tentar prevenir uma exacerbação da doença. Por isso é que é importante um diagnóstico atempado – para ganharmos tempo para o controlo e prevenção.

Um estilo de vida saudável, com alimentação cuidada, exercício regular, sono qb e redução dos níveis de stress fazem a diferença. A prescrição inclui também roupas longas, chapéu e uso abundante e frequente de protetor solar.

Quais são as principais formas de tratamento desta doença?

Há uma peça chave no tratamento e prevenção no LES. Chama-se hidroxicloroquina. É um fármaco que usamos com experiência de décadas a garantir o grande benefício. Quando surge uma exacerbação, deitamos mão dos corticóides, mas sempre de forma cada vez mais reduzida, regrada e científica. Felizmente, na última década, surgiram tratamentos mais específicos que nos têm permitido implementar e manter esta redução ao mesmo tempo que aportam melhor controlo e maior benefício. Estamos num período histórico para quem tem LES, em que já deixámos de correr atrás das exacerbações e começámos a personalizar o tratamento ao risco e perfil de cada indivíduo.

O lúpus tem cura?

Não, a maioria das doenças auto-imunes ainda não têm uma cura. Há investigação científica constante nesse sentido. Felizmente, com os tratamentos e cuidados disponíveis hoje em dia, oferecemos um controlo cada vez maior da doença.

Que conselhos daria a uma pessoa recentemente diagnosticada com lúpus e seus cuidadores?

Partilhem. Partilhem o que sentem, quando o sentem. Com quem vos está próximo, com o vosso médico. Enquanto médico, tento preservar a humildade de dizer “não sei”, para retribuir, com honestidade, a coragem de quem admite estar mais vulnerável. É essencial a comunicação para que possamos, em conjunto, dominar a doença, ao invés de a deixarmos dominar. Por esta conquista celebramos hoje o Dia Mundial do Lúpus.