HealthNews (HN)- Muito se fala sobre a importância do diagnóstico precoce do cancro do pulmão. Qual o papel que o doente desempenha nesta primeira fase?

Lourdes Barradas (LB)- O cancro do pulmão é responsável pela maior taxa de mortalidade por doença oncológica a nível mundial, incluindo em Portugal. A maioria dos casos são diagnosticados em estádios avançados, facto este que incide no prognóstico e contribui para a elevada mortalidade. Os doentes com cancro do pulmão devem seguir um plano célere de diagnóstico, estadiamento e tratamento.

HN- Os sintomas desta doença podem ser confundidos com patologias benignas. Quais os sinais para os quais os doentes e os médicos devem estar alerta?

LB- Os sintomas muitas vezes passam despercebidos porque são comuns a outras patologias, nomeadamente a asma e a DPOC. Os fumadores muitas vezes não valorizam as suas queixas e quando recorrem ao médico assistente já se encontram em estádios mais avançados. Uma modificação nos sintomas habituais uma alteração no padrão da tosse, o aparecimento de uma pieira, de uma expetoração hemoptoica, de uma dispneia, de uma exacerbação de DPOC que não ceda à terapêutica, deve ser valorizado e investigado.

HN- E qual o papel do médico de família?

LB- O papel do médico de família é extremamente importante, pois é quem está mais próximo do doente. O alerta para os sintomas e a referenciação precoce são fundamentais.

HN- Dados da Fundação Portuguesa do Pulmão indicam que em 2020 foram diagnosticados mais de cinco mil novos casos. Considera que a implementação de um plano nacional de rastreio pode ser uma estratégia eficaz para ver reduzido o número de doentes?

LB- Os dois principais estudos de rastreio com TAC, o americano NLST e o Dutch-Belgian NELSON, demonstraram uma diminuição na mortalidade por cancro do pulmão de cerca de 20%. Sabemos que o rastreio tem impacto na sobrevida dos doentes. Até lá, e enquanto não houver um plano nacional de rastreio, o alerta para os sintomas, para as alterações imagiológicas, a cessação tabágica, a referenciação precoce por parte dos cuidados de saúde primários e a implementação de uma via verde a nível hospitalar para os doentes com suspeita são as única ferramentas que temos atualmente para diminuir o número de mortes.

HN- Sendo que a principal causa associada a esta doença é o consumo de tabaco, por que razão as consultas de cessação tabágica não são mais promovidas nos centros de saúde?

LB- Cerca de 85 % dos cancros do pulmão são provocados pelo tabaco, faz parte da boa pratica médica intervir em todos os fumadores, uma intervenção breve pode ser eficaz e não haver necessidade de referenciar estes doentes para uma consulta intensiva.

HN- Após o diagnóstico da doença, deixar de fumar pode fazer diferença na evolução do tumor?

LB- A cessação tabágica aumenta a qualidade de vida e a eficácia do tratamento, nomeadamente o tratamento cirúrgico, reduzindo o risco de complicações operatórias, recidiva e o aparecimento de segundos tumores.

De acordo com uma metanálise publicada no British Medical Journal a cessação tabágica no doente portador de cancro do pulmão em estadio inicial, aumenta a sobrevivência em 15 a 20% dos doentes aos quais lhe é diagnosticado um cancro em estadio I a III. A sobrevivência aos 5 anos daqueles que mantém os hábitos tabágicos é cerca de 33%. No grupo que suspendeu os hábitos tabágicos, a sobrevida aumentou para cerca de 70%.

Outro estudo avaliou o custo-efetividade de um programa de cessação tabágica antes da cirurgia de ressecção pulmonar, ao fim de um ano e após cinco anos. Concluíram que existem vantagens significativas: diminuição do risco de doença, aumento do tempo de sobrevida, diminuição das complicações pós-operatórias, aumento da eficácia da quimioterapia, diminuição das complicações da radioterapia e aumento da qualidade de vida.

A importância da cessação tabágica no prognóstico e na qualidade de vida do doente portador de cancro do pulmão está devidamente documentada em Oncologia, mas não é muito clara para os fumadores, daí o papel importante dos profissionais de saúde no esclarecimento das dúvidas e receios do doente portador de cancro do pulmão.

HN- A quimioterapia foi durante muito tempo a única opção de tratamento para os doentes. No entanto, hoje existem soluções terapêuticas mais eficazes. Que falar um pouco sempre isto?

LB- Realmente o tratamento do cancro do pulmão em estadio avançado sofreu uma reviravolta nos últimos anos com o aparecimento de novas terapêuticas, nomeadamente a terapêutica alvo e a imunoterapia. Estas terapêuticas proporcionam um aumento da sobrevivência, com melhoria da qualidade de vida. Atualmente, estão a ser estudadas em estádios mais iniciais da doença e em combinação com outros tratamentos.

HN- Sabe-se que a pandemia encurtou a vida dos doentes oncológicos. Que medidas devem ser implementadas para garantir a sobrevida dos doentes?

LB- Durante o período pandémico houve uma alteração do funcionamento do sistema nacional de saúde que teve de se adaptar a uma nova realidade. Os hospitais e os Cuidados de Saúde Primários sofreram uma forte pressão. Os procedimentos diagnósticos e as cirurgias tiveram que ser alteradas.

Por outro lado, os doentes também tinham receio em recorrer aos cuidados de saúde. Tudo isto provocou uma diminuição da referenciação de doentes por parte dos Cuidados de Saude Primários e o diagnóstico da doença em estádios mais avançados.

HN- Que mensagem gostaria de deixar no Dia Mundial do Cancro Pulmão?

LB- Não existindo ainda uma estratégia definida em relação ao rastreio, a cessação tabágica é atualmente a única estratégia válida de prevenção da doença .Os doentes com cancro do pulmão devem seguir um plano célere de diagnóstico, estadiamento e tratamento.

Interligação entre os cuidados de saúde primários e o hospital é fundamental.

O alerta para o aparecimento ou a alteração de sintomas associados a alterações imagiológicas suspeitas de neoplasia, o envio atempado destes doentes para um serviço de Pneumologia Oncológica e a implementação de uma via verde a nível hospitalar são os fatores essenciais para mudar este paradigma

Entrevista de Vaishaly Camões