Em 2022, escreveu o livro Pernas Lindas. Agora, volta a abordar o tema pernas, embora numa aproximação mais específica. Porque escolheu o lipedema como mote para o seu novo livro? Por ser, como escreve, “largamente subestimado”?
No meu dia a dia vejo e trato muitas pernas. Desde há muitos anos comecei a estar atenta a um padrão: pacientes que se queixavam de dores nas pernas apesar de todos os exames serem normais e não haver qualquer indício de doença vascular. Na maioria dos casos eram pernas desproporcionalmente volumosas apesar de várias tentativas de perda de peso com dietas rigorosas e exercício físico intenso. Mulheres que já tinham procurado várias especialidades e não tinham resposta nem solução para o seu problema. Isto é o lipedema: desvalorizado, subestimado, mas muito prevalente. Algo que urge ser divulgado entre a população em geral e muito em particular entre os profissionais de saúde.
De forma sucinta pode descrever-nos o que é o lipedema?
É uma doença crónica, potencialmente progressiva, que se caracteriza por uma acumulação desproporcional de gordura nas extremidades, predominantemente nos membros inferiores, podendo em 30 % dos casos afetar os membros superiores. Esta gordura é, contudo, uma gordura bem diferente da vulgar gordura da obesidade: causa dor, hipersensibilidade, aparecimento de equimoses [nódoas negras] frequentes e tem um impacto muito negativo na qualidade de vida no geral.
O que explica que esta doença afete de forma exclusiva as mulheres?
A causa da doença ainda não está definitivamente esclarecida. Sabe-se, contudo, que tem um componente hereditário importante. Cerca de 65% das mulheres afetadas tem alguém na família com o mesmo problema. Sabe-se também que o desenvolvimento do lipedema se relaciona com as hormonas femininas, muito particularmente os estrogénios. Frequentemente, a doença manifesta-se em momentos de grande alteração hormonal, como a puberdade, início da toma da pílula e a gravidez.
Viver com lipedema não é apenas uma condição física (estética), como bem ilustra Rita Ferro Alvim, no prefácio ao livro. A Joana de Carvalho alerta para outras dimensões associadas à doença, nomeadamente a autoestima. Gostaria que pormenorizasse esta questão.
Exatamente, além da dor física que caracteriza o lipedema, não podemos negligenciar da dor psicológica. Concretamente, uma investigação levada a cabo no Reino Unido revelou dados impressionantes. Neste estudo, 86% admitiram ter baixa autoestima; 60% referiram restrição da vida social devido ao lipedema; 50% referiram limitação da vida sexual pelo lipedema; 60% referiram ter sentimentos de “desesperança” e 47% de culpabilização
Falamos em dificuldade e constrangimento em atividades diárias rotineiras: dificuldade em comprar roupa – os tamanhos não encaixam nas medidas desproporcionais; impossibilidade de calçar determinado tipo de calçado, como botas de cano alto, botins, sandálias com tiras nos tornozelos; vergonha de ir à praia, piscina; limitação de atividades sociais e familiares que impliquem exposição das áreas doentes.
O que explica que ainda hoje haja quem olhe para o lipedema e considere que é fruto de desmazelo ou negligência por parte da pessoa portadora?
Como já referi, uma das características da doença é a dificuldade em perder o volume desproporcional das áreas afetadas. Quem não conhece a doença, atribui a imagem de lipedema a falta de esforço por parte das pacientes: falta de cuidado alimentar, ausência de prática de exercício ou prática insuficiente. Muitas pacientes ouviram que o seu “único problema é ser gorda” e tem que comer menos e fazer mais exercício.
No seu livro escreve: “muitas mulheres sentem que algo não “é normal” nas suas pernas, mas passam anos sem saber a que especialidade se dirigir e sem obter um diagnóstico, apesar das muitas consultas médicas das mais diversas especialidades que vão procurando”. O facto de estas mulheres recorrerem a diversas especialidades médicas sem obterem uma resposta, induz que a própria comunidade médica não está suficientemente informada sobre esta doença? Isto justifica que as mulheres esperem, em média, 30 anos até receberem o diagnóstico?
Exatamente. A verdade é que durante toda a minha formação médica geral, ou seja, seis anos de faculdade e dois de internato geral, e formação específica, com seis anos de internato em Angiologia e Cirurgia Vascular, nunca me foi dado a conhecer esta doença – como a mim, a todos os outros colegas de forma geral. As pacientes sabem que algo não está bem: têm dor, sentem limitação; têm vergonha das suas pernas e por isso procuram incessantemente uma resposta que muitas vezes não chegam a obter. Atualmente, já se ouve falar mais de lipedema nos meios de comunicação, nas redes sociais e muito à custa das próprias pacientes que relatam a sua experiência. Contudo, é importante haver informação fiável e cientificamente correta daí ter achado justificável a escrita de um livro inteiramente dedicado ao tema.
O lipedema pode ser indicador de outros problemas de saúde?
Sim. O lipedema é uma doença crónica, com uma base inflamatória importante. Muitas vezes associa-se a outras questões como as doenças da tiroide, doenças inflamatórias intestinais, défice de vitamina D e laxidez articular. Quero salientar uma vez mais a associação a problemas psicológicos: depressão, ansiedade e distúrbios do comportamento alimentar.
Uma das mensagens que passa no seu livro é que “lipedema não é obesidade”. Mas há uma relação entre ambas as condições...
Sem dúvida que há. A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de lipedema. Não raras vezes este surge em momentos de grande ganho de peso. Quando a paciente recupera e perde peso, não vê a mesma recuperação ao nível das áreas doentes, sendo então evidente a tal desproporção característica do lipedema.
Não se limita no seu livro a olhar para o tratamento clássico do lipedema e a descrevê-lo. Acrescenta-lhe o seu contributo. Em traços gerais, de que forma aborda o tratamento ao lipedema?
O lipedema é um tema que me é muito querido. Quase diria que foi uma causa que abracei pelas pacientes que conheci e pelas histórias que ouvi e continuo a ouvir no consultório. Para tratar o lipedema é preciso tratar a paciente como um todo e isso vai muito além do conhecimento técnico e dos protocolos desenvolvidos. Há que tratar de forma holística e abrangente não descurando nenhum dos “pilares”: alimentação, exercício, fisioterapia. Mas acrescentando um cunho muito pessoal: como encontrar a melhor rotina para aquela paciente, como ajudar a reconquistar a autoestima, como não desistir pelo caminho e acreditar que o esforço dará resultados.
Para o seu livro também convoca o contributo de alguns especialistas em diferentes áreas. Quer destacar como se materializam na obra estes contributos?
Sim, o tratamento do lipedema tem de ser multidisciplinar e cada um tem o seu papel específico. Para a escrita de alguns capítulos específicos contei com a colaboração de especialistas em nutrição, Dr.ª Carmen Fortes e Dr.ª Bárbara Nogueria, que comigo trabalham na LegClinic by Allure. Também no que respeita à moda, contei com a colaboração da Dr.ª Raquel Guimarães, CEO da Fashion School, que dá orientações preciosas sobre como “vestir o lipedema” para obter o resultado corporal mais harmonioso possível.
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