HealthNews (HN)- A doença de Parkinson é mais comum em pessoas com mais de sessenta anos. No entanto, o número de jovens adultos com esta patologia tem vindo a aumentar. Tratando-se de uma doença incapacitante, como olha para este novo cenário?

Leonor Guedes (LG)- Apesar de ser mais conhecida por afetar pessoas com mais de sessenta anos, cerca de um terço dos doentes iniciam a doença com idade inferior a 55 anos. É uma realidade que já existia, mas que não era tão conhecida. O número de doentes tem aumentado devido ao maior conhecimento da doença. Os médicos e a própria população têm estado cada vez mais alerta.

O maior desafio que encontramos no tratamento dos doentes mais jovens é conseguirmos oferecer a qualidade de vida desejada. Para além de apresentarem particularidades específicas na resposta à terapêutica, pelo que a escolha da medicação tem diferenças em relação a doentes com mais idade, são doentes muito exigentes no que toca ao tratamento das suas capacidades motoras para a sua realização profissional.

HN- Estima-se que 60-80% da produção de dopamina seja perdida antes do aparecimento dos sintomas motores. Quais os principais sinais que devem suscitar a suspeita?

LG- O diagnóstico é feito pela observação clínica e só podemos diagnosticar a doença quando surgem os primeiros sintomas motores, nomeadamente lentificação dos movimentos, tremor ou rigidez dos membros. É conhecido que o processo da doença começa anos antes, em que podem existir outras queixas não motoras associadas à doença, mas como não são específicas da doença de Parkinson, o diagnóstico só é possível quando há sintomas motores…

HN- Alguns sinais podem aparecer cerca de dez ou quinze anos antes da doença se instalar. Quer falar um pouco sobre estes sintomas?

LG- Estes sintomas incluem: a diminuição da capacidade de identificar e discriminar cheiros, alterações do sono, obstipação intestinal e, alterações do humor, por exemplo. Mas porque é que não podemos fazer de imediato o diagnóstico quando estas alterações surgem? Porque alguns destes sinais são muito inespecíficos e relativamente frequentes na população em geral. De qualquer forma, este paradigma pode vir a mudar quando se conseguirem novos e mais específicos marcadores de doença precoce.

HN- Um estudo recente publicado na revista The Lancet mostrou que a atividade física pode atenuar os sintomas na função motora associados à Doença de Parkinson. Qual o papel da fisioterapia na evolução da doença?

LG- Estes resultados são muito importantes porque vieram valorizar todas as estratégias de atividade física e, em especial, a fisioterapia. Esta aborda a doença de Parkinson de uma forma mais completa… A fisioterapia tem um papel complementar à terapêutica farmacológica dos doentes. De facto, é fundamental nos casos em surgem alterações da marcha, pois a parte farmacológica pode já não ser tão eficaz. Além disso, a fisioterapia é importante não só nas fases mais avançadas da doença, como também nas fases mais precoces.

HN- O atraso no diagnóstico é comum?

LG- Depende da experiência que o médico tenha em diagnosticar estes doentes. Há algumas manifestações clínicas que são sobreponíveis a outras doenças… Isso dificulta o diagnóstico da doença de Parkinson. É recomendado que quando se identificam sintomas motores, os doentes sejam referenciados para consultas especializadas em doenças do Movimento.

HN- E quando é iniciada a terapêutica?

LG- Não é necessário começar a terapêutica imediatamente após o diagnóstico. Só começamos quando o doente nos refere queixas ou apresenta dificuldades causadas pela doença. Por outro lado, não há qualquer benefício em atrasar a terapêutica quando há sintomas que incomodam o doente. A terapêutica deve ser iniciada lentamente, de forma personalizada, consoante as queixas do doente.

HN- Os doentes com Parkinson em fase avançada já não conseguem controlar bem os seus sintomas através das terapêuticas orais convencionais e dependem de terapêuticas avançadas. Como é feita a referenciação destes doentes para outras terapêuticas?

LG- Parte dos doentes com Parkinson vão ter uma fase da sua doença em que a medicação durante o dia tem momentos em que é eficaz e outros momentos em que não é, surgindo tremor ou maior dificuldade nos movimentos, são as chamadas flutuações motoras, em que no mesmo dia o doente tem bons e maus momentos. Podem surgir também movimentos involuntários importantes associados à medicação. Para estes doentes podem estar indicadas diferentes formas de “terapias avançadas”: cirurgia de estimulação profunda (DBS) e a administração de medicação por via sub-cutânea ou via intestinal, em que a medicação é dada em forma de gel por sonda colocada no estômago e intestino. Estas estratégias vão depender das caraterísticas clinicas individuais de cada doente.. Portanto, as terapias avançadas são bastante eficazes para estabilizar o dia do doente. Todas estas são comparticipadas pelo SNS e todos os doentes com indicação para as mesmas têm acesso, devendo para isso serem referenciados para consultas de doenças do Movimento (neurologia).

HN- Qual o impacto que a pandemia teve nos doentes com Parkinson?

LG- Enquanto presidente da Sociedade Portuguesa das Doenças do Movimento não posso deixar de alertar para o impacto que a pandemia tem tido nos cuidados de saúde dos doentes, incluindo nos doentes em terapias avançadas. Os doentes que já estavam em terapia continuaram o seu tratamento, mas o problema foi o de introduzir novos doentes nestas terapias. Houve períodos em que as cirurgias programadas estiveram interrompidas, uma vez que as camas estavam ocupadas com doentes covid.

HN- Que mensagem deixa para o Dia Mundial do Parkinson?

LG- A Sociedade Portuguesa das Doenças do Movimento está sempre muito interessada em colaborar na divulgação de informação de cuidados médicos aos doentes e suas famílias. É também importante que os doentes estejam a par das Associações de doentes, que fornecem apoio e estão igualmente disponíveis para esclarecer dúvidas. É importante que os doentes sejam acompanhados não só pelo seu médico de família, mas também por equipas especializadas em doenças do movimento. Por fim gostávamos de sublinhar que existem neste momento várias estratégias de tratamento muito eficazes, nas várias fases da doença, sendo que adicionalmente estão múltiplos grupos de investigação a estudar novas estratégias de medicação que poderão estar disponíveis a médio prazo.

Entrevista de Vaishaly Camões