HealthNews (HN) – Considerando que o cancro do esófago é o oitavo mais comum no mundo, mas o sexto em mortalidade, com aproximadamente 544.000 mortes registadas em 2020 (5,5% do total de mortes por cancro), quais fatores contribuem para esta elevada taxa de letalidade?

Ilda Faustino (IF) – A elevada taxa de letalidade do cancro do esófago pode estar relacionada com vários fatores, nomeadamente, a agressividade da doença (que pode apresentar um crescimento rápido e disseminação para outros órgãos), o diagnóstico tardio (pela inespecificidade de sintomas e inexistência de rastreio populacional implementado) e a escassez de opções terapêuticas.

HN – Aproximadamente 70% dos casos de cancro do esófago ocorrem em homens. A que se deve esta disparidade significativa entre os géneros e existem fatores de risco específicos que justifiquem esta diferença?

IF – A disparidade significativa entre os géneros, com predomínio do cancro do esófago nos homens, pode estar relacionada com fatores de risco comportamentais e biológicos. De facto, geralmente, os homens tendem a fumar mais e consumir mais álcool do que as mulheres, ambos fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento do cancro do esófago. Para além disso, certos hábitos alimentares, como o consumo de alimentos muito quentes, enchidos ou fumados, também podem ser mais comuns entre os homens em algumas regiões. Alguns estudos apontam ainda para a possibilidade de poderem existir fatores biológicos e hormonais que influenciem esta diferença entre os géneros.

Por conseguinte, a combinação de comportamentos de risco mais prevalentes entre os homens e possíveis fatores biológicos contribuem para essa disparidade significativa entre os géneros, no que concerne à incidência de cancro do esófago.

HN – Quais são os sinais de alerta para o cancro do esófago que a população deveria conhecer para garantir um diagnóstico mais precoce, considerando sintomas como dificuldade em engolir, soluços e perda de peso inexplicável?

IF – É fundamental ter atenção aos sinais e sintomas que podem sugerir o desenvolvimento de cancro do esófago, de modo a garantir um diagnóstico precoce e aumentar as probabilidades de sucesso do tratamento.

Os principais sintomas que a população deve conhecer incluem dificuldade em engolir (disfagia), que pode começar com alimentos sólidos e posteriormente agravar-se, surgindo também com dieta cremosa ou mesmo líquida.

Outros sintomas que deverão ser valorizados são dor ou desconforto ao engolir, sensação de que o alimento fica preso na garganta ou no peito, regurgitação frequente, soluços persistentes e perda de peso inexplicável.

Na presença destes sintomas, é fundamental procurar uma avaliação médica porque quanto mais cedo o cancro for detetado, maiores são as probabilidades de um tratamento bem-sucedido.

HN – Como se diferenciam, em termos de evolução clínica e abordagem terapêutica, o carcinoma de células escamosas da parte superior do esófago e o adenocarcinoma predominante na região inferior, incluindo a junção gastroesofágica?

IF – O carcinoma de células escamosas e o adenocarcinoma do esófago apresentam diferenças importantes, tanto na evolução clínica, quanto na abordagem terapêutica.

Em termos de evolução clínica, o carcinoma de células escamosas geralmente ocorre na parte superior e média do esófago e está mais associado a fatores de risco como tabagismo e consumo de álcool. Este tipo de tumor, pela sua localização, tende a apresentar-se com sintomas como dificuldade em engolir, dor no peito e perda de peso, e costuma ser detetado em estadios mais avançados. Já o adenocarcinoma, que predomina na região inferior e na junção gastroesofágica, está frequentemente relacionado com o refluxo gastroesofágico crónico e/ou com a obesidade, podendo evoluir de uma condição prévia chamada esofagite de refluxo ou esófago de Barrett. Neste caso, a deteção precoce pode ser facilitada por exames de rotina em doentes com esses fatores de risco.

Quanto à abordagem terapêutica, ela varia de acordo com a localização, estadio do tumor e condições do doente. Em fases muito precoces da doença, os tratamentos endoscópicos devem ser considerados, por terem menos riscos e possibilitarem uma taxa de sucesso semelhante comparativamente a procedimentos mais invasivos. Em fases localmente avançadas, mas não disseminadas, nos tumores de células escamosas, a quimioterapia concomitante com radioterapia e a cirurgia são opções comuns, muitas vezes combinadas. Para o adenocarcinoma da região inferior, a cirurgia é frequentemente o tratamento principal, geralmente combinado com quimioterapia perioperatória (antes e depois da cirurgia) ou, em alternativa, quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes (antes da cirurgia). Além disso, tanto nos tumores de células escamosas, como nos adenocarcinomas, existe ainda a possibilidade de realizar imunoterapia adjuvante (após a cirurgia), em alguns casos, com redução do risco de reaparecimento da doença.

Nos casos de doença metastizada, a quimioterapia, a imunoterapia e outras terapêuticas dirigidas, são os tratamentos de eleição, com objetivo de prolongar o tempo de vida dos doentes

HN – Sendo o cancro do esófago difícil de diagnosticar e tratar, como indicam os dados epidemiológicos, quais têm sido os avanços mais significativos na detecção e nas estratégias terapêuticas para melhorar o prognóstico dos doentes?

IF – Felizmente, temos assistido a avanços significativos, quer no diagnóstico, quer no tratamento, do cancro do esófago, o que tem permitido melhorar o prognóstico dos doentes.

Relativamente ao diagnóstico, de referir o uso de técnicas de imagem mais precisas, por vezes com auxílio de inteligência artificial, permitindo uma visualização mais detalhada do esófago e facilitando a identificação de lesões precoces, aumentando a possibilidade de conseguir um tratamento curativo e com menos riscos associados. Outra estratégia importante tem sido a vigilância em doentes com fatores de risco (como refluxo crónico ou esófago de Barrett) permitindo a deteção precoce de lesões pré-malignas ou em estadios iniciais.

No campo terapêutico, destaca-se a cirurgia minimamente invasiva, que reduz complicações e melhora a recuperação do doente. A realização de quimioterapia, associada ou não a radioterapia, antes da cirurgia (terapia neoadjuvante), tem permitido melhorar a taxa de ressecção completa e a sobrevivência. Além disso, o desenvolvimento de imunoterapia e outras terapêuticas dirigidas a alvos específicos têm aberto novas possibilidades de tratamento.

Em suma, os avanços na acuidade diagnóstica, as abordagens cirúrgicas menos invasivas, as combinações de terapias multimodais e as novas opções de tratamento sistémico têm contribuído para melhorar o prognóstico dos doentes com cancro de esófago.

HN – Em Portugal foram identificados 683 novos casos de cancro do esófago em 2020. Que estratégias preventivas e de rastreio recomendaria para reduzir a incidência e mortalidade associadas a esta doença no contexto nacional?

IF – Para reduzir a incidência e mortalidade do cancro de esófago, destaco algumas estratégias preventivas e de rastreio.

Estratégias preventivas:

  1. Promoção de hábitos de vida saudáveis: incentivar a cessação do tabagismo, o consumo moderado de álcool, a evicção de alimentos com potencial carcinogénico e a manutenção de um peso corporal saudável, que são fatores de risco modificáveis para o cancro do esófago.
  2. Controlo do refluxo gastroesofágico: promover o diagnóstico e tratamento adequados da doença do refluxo, que está associado ao desenvolvimento do adenocarcinoma na região inferior do esófago.
  3. Educação e conscientização: informar a população sobre os fatores de risco, sintomas iniciais e a importância de avaliação médica precoce.

Estratégias de rastreio:

  1. Identificação de grupos de risco: vigiar periodicamente indivíduos com refluxo gastroesofágico crónico, esófago de Barrett, obesidade ou histórico de tabagismo e alcoolismo.
  2. Realização de exames endoscópicos periódicos: implementar programas de rastreio com endoscopia em populações de alto risco, com objetivo de detetar lesões pré-malignas ou cancro em estadios iniciais, quando o tratamento é mais eficaz.

Estas ações combinadas podem ajudar a diminuir a incidência e melhorar o diagnóstico precoce, aumentando as probabilidades de sucesso no tratamento e reduzindo a mortalidade.

Entrevista MMM