Um novo estudo, liderado por investigadores da Gulbenkian e publicado na revista científica eLife, revela como podemos interferir na montagem do genoma do vírus influenza para controlar a gripe A. Esta descoberta abre caminho ao desenvolvimento de tratamentos antivirais inovadores passíveis de ser aplicados à gripe sazonal, bem como a infeções que usam os mesmos processos. São exemplos a COVID-19, a ébola, a papeira, o sarampo, ou a infeção pelo vírus sincicial respiratório.

Apesar das estratégias atuais de vigilância e vacinação, a gripe A continua a matar cerca de 600 mil pessoas todos os anos. Perceber aquilo de que este vírus precisa para se multiplicar no nosso organismo é o segredo para delinear novas estratégias de combate à infeção. Porque para ganhar uma batalha é preciso conhecer o inimigo.

Depois de invadirem as nossas células, os vírus tiram proveito destas para se multiplicarem. Esta tarefa é particularmente complexa no caso do vírus influenza A, visto que o seu genoma é constituído por oito segmentos diferentes que têm de ser agrupados num único complexo. O grupo que Maria João Amorim lidera no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e no Centro de Investigação Biomédica, da Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa foi o primeiro a propor, num estudo anterior, que este vírus monta o seu genoma em compartimentos das células a que atribuíram o nome de “inclusões virais". Para que cumpram o seu propósito, estas inclusões têm de estar no estado líquido.

Agora, os investigadores perceberam que é possível alterar as propriedades das inclusões virais de forma a limitar a infeção. “Estudámos como estas estruturas se comportam quando mudamos, por exemplo, a temperatura ou as interações no seu interior”, explica Temitope Etibor, o primeiro autor do novo estudo e estudante de doutoramento no IGC. “Estas alterações promovem a solidificação das inclusões virais, o que afeta o seu comportamento”, acrescenta. Esta transição de estado líquido para sólido comprometeu a infeção viral tanto em células como nos pulmões de ratinhos.

“Este estudo é um ponto de partida para compreendermos como atacar um alvo completamente diferente nas infeções virais”, nota a investigadora principal Maria João Amorim. Os resultados falam por si: a melhor forma de solidificar estas inclusões é aumentar o número e a força de interações entre os segmentos do genoma viral no seu interior. Se queremos sabotar as “fábricas de montagem” do vírus e limitar a infeção, devemos então apostar no desenvolvimento de moléculas capazes de atingir esse efeito. Outro ponto a favor desta estratégia é que não tem efeitos tóxicos para o hospedeiro.

Manipular as propriedades destes compartimentos que concentram moléculas importantes e desempenham funções especializadas no interior das células é uma estratégia promissora não só para o tratamento de infeções, mas também de doenças neurodegenerativas e do cancro. Assim, estes novos dados podem ser a peça que estava em falta para inspirar uma nova era no tratamento de doenças.