Situada em Achada São Filipe, próximo da cidade da Praia, a comunidade terapêutica que leva o nome do bairro foi criada em julho de 2005 para combater o consumo excessivo de álcool e drogas, recordou em entrevista à agência Lusa, o diretor da instituição, Manuel Correia.
“Foi necessário criar um conjunto de mecanismos para dar resposta ao fenómeno de tráfico de drogas que repercute diretamente nas pessoas mais vulneráveis que passam pela situação de toxicodependência em álcool e em outras drogas”, afirmou o responsável, falando na Granja de São Filipe, junto a um terreno de agricultura.
A instituição é pioneira em acolher indivíduos toxicodependentes para o tratamento e reinserção social, de ambos os sexos, desde os 16 anos, uma camada considerada mais vulnerável, que recebe tratamento que podem ir dos três aos nove meses.
Com 22 colaboradores, incluindo enfermeiros, psicólogos, pessoal do apoio, de limpeza, de cozinha, segurança, os que trabalham na agropecuária e ainda alguns que prestam serviço fora da unidade de saúde, a comunidade vai celebrar na terça-feira os seus 18 anos, data que tem assinalado com várias iniciativas.
De acordo com o diretor, que exerce o cargo desde fevereiro, a dinâmica da comunidade terapêutica tem sido “desafiadora”, uma vez que ainda carece de mais recursos humanos para dar resposta a todas as necessidades.
“É necessário dotar cada vez mais uma política de reciclagem de conhecimentos técnicos e científicos dos nossos colaboradores e também saber e estar pronto, atentos a uma nova perspetiva para perfilar o melhor tratamento possível àqueles que nos procuram para tratar a sua situação de toxicodependência”, apontou o responsável, formado em politologia.
Desde a sua criação, a Comunidade Terapêutica da Granja de São Filipe já recebeu aproximadamente 1.020 utentes, tendo atualmente 25 residentes, mas com capacidade de acolher até 50 indivíduos, ainda segundo o mesmo responsável, avançando que muitos chegam ao local por vontade própria, mas outros pela insistência dos familiares.
Na fase inicial passam por uma triagem, através de sessões de terapia, com atendimento individualizado para avaliar a situação de cada um nesta unidade de saúde situada num dos bairros mais populosos da capital de Cabo Verde, mas que é procurada por pessoas de todas as ilhas do arquipélago, bem como de outros países.
“Nós aqui estudamos o dossiê, traçamos o perfil do indivíduo e, mediante uma preparação preventiva, nós marcamos a data para receber esses utentes. Uma vez recebido, os utentes têm que cumprir com aquilo que é a regra da casa e ali sim, o comportamento do indivíduo é manifestado durante o tratamento, porque a pessoa, quando está num tratamento psicoterapêutico e no programa de reinserção social, o comportamento manifesta-se consoante uma data específica em que o indivíduo está na abstinência”, prosseguiu Manuel Correia.
A simplicidade é uma das marcas do local, que fica situado num amplo terreno de 10 hectares, onde à volta se planta batata, mandioca, banana, árvores de frutos e ainda faz-se criação de gado.
“Nós temos a nossa potencialidade agropecuária e nós queremos também beneficiar a população local através dos jardins infantis, das escolas, com os nossos produtos agrícolas, assim como também já estamos a sair da nossa zona de conforto e a aproximar-nos da população local, como o acesso à água que nós temos aqui e também através da parceria com a associação dos agricultores de ribeira de São Filipe. Nós já estamos a beneficiá-los com a água durante 24 horas”, destacou.
Estando neste momento em obras de remodelação, logo à entrada fica o campo de futebol, no centro as salas técnicas, direção, sala de lazer, e, ao fundo, o ateliê, onde expressam os seus sentimentos e dão azo às criatividade com trabalhos manuais, que segundo o diretor, são expostos em vários sítios, permitindo arrecadar algum dinheiro.
O centro ganhou uma dimensão nacional e internacional, quando começou a receber pessoas provenientes de todas as ilhas e de vários países da Europa, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que, mesmo quando saem da instituição, manifestam a vontade de querer estar sempre presente na comunidade.
O diretor disse que a missão da Granja de São Filipe é tratar o indivíduo internamente, mas acredita que, depois de sair, outras instituições vão continuar o trabalho, para que tenham sempre em dia esses valores repassados na comunidade terapêutica, salientando que tem havido poucos casos de recaídas e que os mesmos têm procurado saber o real motivo, mas que procuram sempre focar no sucesso dos utentes e ajudá-los da melhor forma na reinserção social.
“A nossa felicidade está na forma de incorporação dos nossos valores a passar aos nossos utentes e vice-versa e vê-los a trilhar novos caminhos. Para nós é satisfatório porque a comunidade terapêutica não pode ser visto como um lugar de pessoas consideradas inválidas da sociedade. Não pode ser considerado uma situação que recolhe apenas pessoas que são imagens negativas para a sua entidade empregadora”, ressaltou.
Após 18 anos a ajudar na recuperação de toxicodependentes em Cabo Verde, Manuel Correia disse que o sentimento é de gratidão, traçando novos planos para o futuro, entre eles remodelar e ampliar as instalações, reativar a produção agropecuária e dar mais condições de trabalho aos colaboradores e utentes, para que todos “se sintam em casa”.
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