Os projetos de lei do PS, PAN, IL e deputada não inscrita Cristina Rodrigues sobre as ordens profissionais vão hoje a votos, com a iniciativa socialista a ter aprovação assegurada na generalidade.
Os projetos de lei do PS, PAN e IL preveem a alteração da lei n.º2/2013, a lei-quadro das ordens profissionais que estipula as condições para a sua criação, funcionamento e organização.
O diploma da deputada não inscrita Cristina Rodrigues aborda especificamente a Ordem dos Advogados (OA), propondo uma alteração à lei n.º 145/2015, que enquadra os seus estatutos.
Eis alguns pontos essenciais sobre os quatro diplomas:
PS QUER MAIOR TRANSPARÊNCIA E INDEPENDÊNCIA NAS ORDENS PROFISSIONAIS
Com o objetivo de “reforçar, no acesso e no exercício de profissões reguladas, o interesse público”, o diploma apresentado pelo PS pretende trazer “maior transparência e independência naquilo que é o exercício e a função de uma ordem profissional”.
Entre as medidas propostas, o Partido Socialista quer reforçar os órgãos de supervisão das ordens profissionais, obrigando a que estes passem a ter membros externos à organização na sua composição, e propõe tornar a figura do provedor do cliente obrigatória, com mais poderes de “fiscalização das associações”.
No que se refere às condições de acesso às ordens, o PS propõe também que seja estabelecido um limite máximo de 12 meses para os estágios profissionais e que as fases de formação não possam duplicar os conteúdos que já foram lecionados durante os cursos no ensino superior.
O projeto do PS já tem a aprovação garantida na generalidade, dado que, tanto o PSD como o PCP anunciaram que se iriam abster na votação de sexta-feira, tendo o BE também afirmado acompanhar, “em termos gerais”, a iniciativa socialista.
INICIATIVA LIBERAL PROPÕE EXTINÇÃO DE MAIS DE METADE DAS ORDENS
No seu projeto de lei, a Iniciativa Liberal considera que “ao longo dos anos têm sido constituídas várias ordens, sem lógica nem critério, a não ser por motivos eleitoralistas de alguns partidos presentes na Assembleia da República”.
Nesse sentido, a IL propõe extinguir “mais de metade das ordens existentes” - entre as quais as dos Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Economistas, Médicos Veterinários, Notários, Nutricionistas, Revisores Oficiais de Contas, Solicitadores e dos Agentes de Execução, Fisioterapeutas e Assistentes Sociais - e abolir as “regras profissionais que consubstanciam um obstáculo desproporcional e desnecessário à livre prestação de serviços, à liberdade de escolha de profissão e à iniciativa privada”.
Afirmando ser necessária “menos exclusividade, e mais concorrência”, “menos corporativismo e mais liberdade”, o diploma da IL propõe também a “revogação da norma que prevê que, a cada profissão regulada, corresponda uma única associação pública profissional”.
PAN E CRISTINA RODRIGUES PROPÕEM REMUNERAÇÃO OBRIGATÓRIA DE ESTÁGIOS
O diploma do PAN foca-se sobretudo nos estágios de acesso às profissões, propondo que passem a ser obrigatoriamente remunerados, com um valor variável “consoante o estudante tenha licenciatura ou mestrado”, mas mantendo a duração atual máxima de 18 meses.
No que se refere à proposta de Cristian Rodrigues, a deputada não inscrita aborda especificamente a Ordem dos Advogados (OA), propondo uma alteração à lei n.º 145/2015, que aprova o estatuto da OA.
Cristina Rodrigues propõe que a remuneração dos estágios de acesso à profissão seja obrigatória e que a sua duração diminua dos 18 meses atuais, para 12 meses.
PARTIDOS CRITICAM PS MAS MOSTRAM ABERTURA PARA DEBATE NA ESPECIALIDADE
Durante o debate sobre os quatro projetos de lei, que decorreu na quarta-feira, os restantes partidos criticaram o projeto do PS, mas mostraram abertura para discutir o diploma em sede de especialidade.
O PSD, pela voz da deputada Emília Cerqueira, acusou os socialistas de querem governamentalizar as ordens profissionais “pela porta lateral”, afirmando que a figura do provedor do cliente, apesar de ser escolhida pelo bastonário da ordem em questão, é feita dentro de um leque de “três personalidades” apresentado pelo Governo.
A deputada social-democrata Clara Marques Mendes acrescentou ainda que “alterações como estas não podem ser ditadas por maiorias conjunturais ou impulsos de circunstância” e disse esperar que o PS “tenha espírito de abertura” para o debate na especialidade.
Do lado do BE, o deputado José Soeiro considerou que a “instituição de um período de nojo” para quem tenha desempenhado cargos em órgãos sindicatos é uma “norma hostil” e referiu o partido “está disponível e interessado” em debater esta e outras questões na especialidade.
Pelo PCP, António Filipe salientou que o partido “opor-se-á firmemente a qualquer texto que consagre a possibilidade de sociedades multidisciplinares”, acrescentando, no entanto, que há “aspetos positivos” no diploma socialista, como “a limitação dos poderes das ordens no que se refere à criação de obstáculos ao exercício da atividade profissional, designadamente dos mais jovens”
O líder parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia, criticou o projeto e acusou o PS de querer “ir além da troika”, ironizando que as ordens “não perceberam a bondade” da proposta, enquanto o seu colega de bancada Pedro Morais Soares acusou PS e Governo de tentarem limitar "o papel de ordens profissionais particularmente incómodas para a governação socialista".
O deputado único do Chega, André Ventura, acusou o PS de querer "acabar com poucas entidades independentes em Portugal e cujo financiamento não controla" e considerou que este diploma é "um dos maiores atentados ao exercício da profissão".
ORDENS ACUSAM PS DE “TENTATIVA DE GOVERNAMENTALIZAÇÃO”
Em reação ao projeto de lei do PS, o Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) – que representa 471 mil profissionais de 17 ordens – denunciou, à saída de uma reunião extraordinária que teve lugar esta segunda-feira, uma “tentativa de governamentalização”.
Numa deliberação aprovada durante a reunião extraordinária, a CNOP considerou que o diploma do PS “tem normas prejudiciais” ao “serviço público” que as ordens prestam à sociedade, “porquanto atentam contra o seu funcionamento eficaz, democrático e independente e configuram uma tentativa de governamentalização das mesmas”.
Em declarações à agência Lusa, a deputada socialista Constança Urbano de Sousa descartou as críticas, considerando que são motivadas ou por “ignorância, de quem não leu pura e simplesmente o que é proposto, ou por pura má-fé”.
Segundo a deputada, a lei n.º2/2013, já previa duas das medidas que o PS pretende agora tornar obrigatórias e que se tornaram polémicas: o provedor dos destinatários de serviço, e a inclusão de membros externos às ordens profissionais nos seus órgãos de supervisão.
Constança Urbano de Sousa apontou que, tanto no caso do provedor como dos membros externos, não será o Governo que os irá escolher, sendo o provedor nomeado pelo bastonário da ordem em questão e a composição dos órgãos de supervisão eleita, por uma maioria de dois terços, pelos profissionais inscritos na ordem.
O QUE CONTESTAM AS ORDENS PROFISSIONAIS
As ordens profissionais dos Advogados, Médicos e Engenheiros foram das primeiras a reagir à iniciativa do PS, insurgindo-se contra aquilo a que chamam “uma ingerência direta” na atividade que desenvolvem. Acusam ainda o Governo de tentativa de controlo e de pretender colocar as ordens “sob tutela externa”. Contestam ainda não terem sido ouvidos previamente.
Para os arquitetos está em causa uma “transferência de competências”. Consideram que é proposto um órgão de supervisão, cujos poderes “vão além da supervisão”, com amplos poderes e elementos externos à profissão na sua maioria.
Já os farmacêuticos contestam o modelo proposto por limitar a capacidade eleitoral de dirigentes sindicais para cargos diretivos nas ordens, criticando a nomeação de personalidades externas para órgãos internos.
Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Psicólogos considerou parte das medidas apresentadas pelo PS como "paternalistas", parecendo “partirem de um princípio de desconfiança”.
A Ordem dos Enfermeiros disse recusar “qualquer barreira limitadora” no acesso à profissão e justificou que “dada a especificidade científica e técnica que está diretamente relacionada com a segurança na prestação dos cuidados de saúde, “não há lugar a curiosos externos que possam interferir em questões tão específicas”.
O QUE PRETENDEM FAZER AS ORDENS, CASO O PROJETO AVANCE
O CNOP diz que se o projeto-lei do PS for aprovado no parlamento, vão ser pedidas audiências aos diversos Grupos Parlamentares, ao Governo e ao Presidente da República.
As ordens dos Médicos, Advogados e Engenheiros anunciaram que vão pedir à Provedora de Justiça a fiscalidade da constitucionalidade do diploma, caso venha a ser aprovado.
REFORMA DAS ORDENS PROFISSIONAIS FOI RECOMENDADA POR BRUXELAS E PELA OCDE
A reforma das ordens profissionais vem do tempo da ‘troika’ – a limitação dos seus poderes constava no memorando de entendimento assinado em 2011 entre o Governo de Pedro Passos Coelho e a Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu – e tem sido sucessivamente recomendada tanto pela Comissão Europeia como pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
De acordo com o primeiro-ministro, esta reforma voltou a ser reclamada por Bruxelas e inscrita no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) como contrapartida para o recebimento de fundos europeus por parte de Portugal.
Segundo estas organizações internacionais, existem restrições regulamentares e administrativas nas profissões reguladas que “são um entrave à concorrência, aos níveis de preço, inovação e qualidade de serviços”, recomendando assim que se “separe a função regulatória da função representativa das ordens profissionais” e que estas passem a ser dotadas de um órgão de supervisão independente, de maneira a “contribuir para uma melhor regulação e criar incentivos à inovação”.
Fruto destas recomendações - que são abordadas tanto no diploma do PS como da IL - o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português inclui uma reforma intitulada “redução das profissões altamente reguladas”, em que está prevista a apresentação de um projeto de lei que visa “adequar a atuação das associações públicas profissionais, eliminando restrições à liberdade de acesso e de exercício da profissão e prevenindo infrações às regras da concorrência na prestação de serviços profissionais”.
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