A Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) elege as centenas de jovens recém-formados sem acesso à especialidade como a principal preocupação da Legislatura que agora se inicia. Em comunicado, a ANEM informa que contactou o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, agora que o XXII Governo Constitucional tomou posse, para abrir o diálogo tendo em vista a resolução deste problema.

Nos últimos quatro anos, o número de estudantes de Medicina que finaliza o curso e não tem acesso à especialidade aumentou.

O processo de seleção está em curso desde a semana passada e, este ano, apesar do aumento de vagas, cerca de 600 médicos vão ser excluídos pelo Sistema. Sem alternativa, os médicos optam por continuar a sua formação no estrangeiro, trabalhar como tarefeiros ou desistir e exercer outra profissão.

400 pedidos para trabalhar no estrangeiro

Enquanto que em 2018, 550 médicos solicitaram certificados à Ordem dos Médicos para exercer no estrangeiro, durante o ano de 2019, sem que a Prova Nacional de Acesso à Formação Especializada tenha ocorrido, já foram realizados 400 pedidos, revela a ANEM.

O número de pedidos tem aumentado desde 2015, ano em que, pela primeira vez, os jovens médicos não puderam prosseguir a sua formação. Desde esse período até aos dias de hoje, foram feitos mais de 1.700 pedidos. Do total de pedidos, 65% são de médicos sem especialidade em busca de uma oportunidade de formação no estrangeiro e 35% das solicitações são de médicos especialistas.

Vasco Mendes, presidente da ANEM, considera que estes números evidenciam "a falta de interesse em exercer medicina nas fracas condições que o Serviço Nacional de Saúde oferece, em detrimento de outras alternativas mais dignas, estáveis e aliciantes em Portugal ou no estrangeiro" e acrescenta que "a gritante falta de planeamento e o desinvestimento emagrecem o SNS, tanto em médicos jovens como em médicos seniores".

Para o representante dos estudantes de Medicina este fenómeno é "assustador" uma vez que os médicos em formação dependem do acompanhamento de médicos mais experientes para terem vagas e acesso à formação. "O futuro são os jovens, mas estamos a negar-lhes um futuro", conclui.

Vasco Mendes refere que "estes jovens profissionais só têm três opções: ou emigram e Portugal perde médicos, ou são contratados para prestação de serviços em contexto de urgência, não têm acompanhamento de um médico especialista e não acompanham os doentes tanto internados como em consulta - o que agrava a qualidade do SNS -, ou desistem da Medicina porque não acedem à especialidade e exercem outra atividade profissional. Nenhuma destas saídas favorece o utente, o médico ou o SNS".

Recorde-se que em 2018 a despesa com médicos "tarefeiros" atingiu os 105,3 milhões de euros, um novo recorde, sendo que este dinheiro poderia ser utilizado para a contratação efetiva de médicos especialistas.

Milhares de médicos sem acesso à especialidade

Também o número de médicos sem acesso à especialidade ascendeu para 2.100, quando em 2015 este valor era de apenas 725. "À medida que os anos passam, empregamos mais "tarefeiros" e acabamos por depender deles para sustentar as urgências hospitalares e isso é errado e pouco lógico", refere o presidente da ANEM.

Os futuros médicos defendem que os principais problemas do SNS decorrem da falta de financiamento e ausência de planeamento. "Necessitamos de ser proativos, antecipar e prever, ao invés de fazermos políticas reativas em cima do joelho que apenas tentam resolver os problemas depois de eles aparecerem", aponta Vasco Mendes.

Para isso sugerem a criação de um organismo de Estado, interministerial, designado para "elencar os motivos que levam os profissionais a abandonar o SNS; quantos e quais especialistas precisamos em cada hospital e centro de saúde; quantos médicos devemos formar no Ensino Superior e quantos conseguimos formar na especialidade; o que é necessário para que os médicos optem pelo serviço público, por serem questões estruturantes a que só responderemos com uma estratégia definida e um plano de longo prazo", acrescenta.

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina deseja que a recondução e a nomeação de novos elementos no Ministério da Saúde e no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior signifiquem uma oportunidade de diálogo e resolução de problemas conjunto, objetivo que a Associação continua a defender e a tentar alcançar.