Investigadores brasileiros e norte-americanos identificaram 87 genes relacionados a alterações na pressão arterial e outros 144 associados a variações na frequência cardíaca. O achado, divulgado nesta sexta-feira (01/03) na revista Science Advances, abre uma oportunidade ímpar de ampliar o conhecimento sobre a origem das doenças cardiovasculares, que representam a principal causa de morte no mundo.

“Dos 87 genes que influenciam a pressão arterial, apenas 12 já haviam sido descritos previamente. Os outros nem sequer haviam sido considerados como possíveis candidatos em estudos anteriores. Já em relação ao aumento ou diminuição da frequência cardíaca, apenas 17 dos 144 que identificamos já eram conhecidos. A descoberta, portanto, abre uma avenida para entendermos as vias genéticas que levam às regulações da frequência cardíaca e da pressão arterial e, por consequência, possibilita um maior entendimento sobre as doenças cardiovasculares”, diz à Agência FAPESP José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração (InCor), que integra o complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM-USP).

Apoiado pela FAPESP, o trabalho foi realizado em parceria com Bruce Beutler, do Centro de Genética da Defesa do Hospedeiro da Universidade do Texas Southwestern, nos Estados Unidos.

Pesquisador na área de imunologia, Beutler recebeu o Nobel de Medicina em 2011 por descobrir proteínas (receptores toll-like) capazes de reconhecer microrganismos invasores e ativar o sistema imune inato – a primeira linha de defesa do organismo. Nos últimos anos, ele tem se envolvido também em estudos sobre outras doenças, uma vez que desenvolveu em seu laboratório um programa que produz mutações no genótipo (mutagéneses) de camundongos que se tornou o maior e mais avançado do mundo.

Fábrica de descobertas

No estudo recém-publicado, os pesquisadores combinaram duas técnicas para descobrir quais genes estariam envolvidos em alterações na pressão arterial e na frequência cardíaca. Primeiro, realizaram mutações pontuais por meio de drogas próprias para isso, distribuídas aleatoriamente por toda a linhagem germinativa (células importantes para a herança genética) dos camundongos. Nessa primeira etapa, era possível apenas identificar a mutação nos animais, mas não se conhecia o gene envolvido.

Em seguida, a equipe realizou o sequenciamento do exoma (parte do genoma onde estão os genes codificadores de proteínas) nos descendentes desses animais para, assim, localizar quais genes estavam associados às mutações.

“Em nosso laboratório, combinamos a mutagênese comum – induzida pelo composto N-ethyl-N-nitrosourea [ENU] – a uma tecnologia denominada mapeamento meiótico automatizado (AMM, da sigla em inglês). Essa última consiste em uma plataforma computacional que combina computação estatística com inteligência artificial para identificar instantaneamente qual mutação [de uma média de 60 em cada família de camundongos] causa algum efeito em qualquer processo que estudamos. Foi dessa forma que conseguimos descobrir um número tão grande de genes novos que influenciam a manutenção da pressão arterial e da frequência cardíaca. Além, é claro, de muitos outros que já haviam sido descritos anteriormente”, explica Beutler à Agência FAPESP.

O trabalho impressiona pelos números, pois, para identificar os 231 genes relacionados à pressão arterial e à frequência cardíaca, os pesquisadores precisaram sequenciar o exoma de gerações e gerações de animais. Dessa forma, ao examinar 878 pedigrees (famílias de camundongos), compreendendo 45.261 animais no total, o grupo identificou 45 mil mutações induzidas pelo agente mutagénico (ENU) que danificaram 22% do genoma do camundongo, de modo a causar variações no fenótipo dos animais.

Segundo Krieger, o grande diferencial da estratégia utilizada no estudo é permitir a identificação de variantes genéticas que controlam fenótipos complexos, como é o caso da pressão arterial e da frequência cardíaca.

“O estudo permitiu que avaliássemos de 30 a 60 mutações em conjuntos de genes simultaneamente. Isso confere um ganho de eficiência muito grande. Foi isso que possibilitou, de uma tacada só, descobrir tantos novos genes associados a fatores tão determinantes como a pressão arterial e a frequência cardíaca. E veja que, no conjunto de dados que analisamos até o momento, indagamos apenas 22% do genoma [que corresponde ao exoma]. Ou seja, há muito mais a ser descoberto ainda”, avalia.

O pesquisador destaca ainda que, além da descoberta de um volume grande de genes, o estudo publicado na Science Advances é uma prova da eficácia da técnica de mutagénese germinativa para definir os principais determinantes dos fenótipos poligénicos. Vale destacar que, como a investigação foi realizada em uma plataforma que produz mutagénese, os mesmos animais são utilizados em diferentes estudos sobre doenças distintas.

“Ao criar aleatoriamente mutações na linha germinativa dos camundongos e depois procurar alterações num determinado processo patológico ou fisiológico, como a manutenção da pressão arterial ou da frequência cardíaca, podemos descobrir muitos – eventualmente todos – genes essenciais para esses processos”, afirma Beutler.

De acordo com Krieger, o próximo passo é investigar mais a fundo o papel de cada gene separadamente. “Agora temos um longo caminho pela frente para descobrir como esses genes atuam e se podem ser alvo de novas terapias para hipertensão arterial ou arritmia cardíaca, por exemplo”, diz.

“Entender o mecanismo continua sendo o gargalo. Quando você descobre que o dano a um determinado gene resulta em uma frequência cardíaca mais acelerada, por exemplo, torna-se um verdadeiro desafio entender o porquê. Mas, uma vez que haja tal entendimento, poderá ser viável projetar novas estratégias terapêuticas capazes de controlar a frequência cardíaca ou a pressão arterial”, resume Beutler.

O estudo Genetic Determinants of Blood Pressure and Heart Rate Identified through ENU-induced Mutagenesis with Automated Meiotic Mapping pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adj9797.