“A entrada numa unidade de geriatria não é definida por critério etário. É a circunstância que cada doente apresenta”, disse à Lusa Gorjão Clara, exemplificando: “um idoso com 85 anos, saudável e sem medicação especifica, que tem uma pneumonia, não tem indicação para ir para uma unidade de geriatria, pois não tem patologia complexa”.
“O mesmo já não acontece a quem com esta idade sofra de insuficiência cardíaca ou renal, ou deficiência cognitiva. Esse doente, multipatológico, põe grandes dificuldades na abordagem terapêutica pois temos que pensar em todas as doenças presentes para que ao tratar uma não agravemos a outra. É este que deve ir para uma unidade de geriatria”, explicou à Lusa na véspera da primeira reunião da Associação de Médicos dos Idosos Institucionalizados.
O responsável, que ainda hoje leciona uma aula na faculdade de medicina sobre geriatria — cadeira que se chama Introdução às Doenças do Envelhecimento — recordou que é em conjunto com o médico interno de serviço que a decisão deve ser tomada, “tal como acontece com as outras especialidades”.
Gorjão Clara, um defensor da especialidade de geriatria, sublinhou que a população está cada vez mais envelhecida e que muita é polimedicada, implicando outras exigências de abordagem do médico.
Disse igualmente que Portugal “está atrasado 30 anos”, recordando que na Europa, além de Portugal, apenas a Grécia não tem a especialidade de Geriatria.
“A geriatria provoca anticorpos”, reconheceu o especialista em Medicina Interna, adiantando que a resistência à criação desta especialidade se deve muito ao receio que os médicos internistas têm de ver esvaziada a sua área de intervenção.
As especialidades que foram sendo criadas ao longo dos anos “foram esvaziando a área intervenção da Medicina Interna. Por exemplo, hoje, se tiver dores no peito, a pessoa procura cardiologia, e não internista”.
“Este esvaziar da Medicina Interna veio criar, do ponto vista emocional, um problema que é estes médicos acharem que perderam importância social e que são menos valorizados por isso, não há argumentos científicos para a não criação da especialidade de geriatria”, afirmou.
De acordo com este especialista, a Medicina Interna tem “um papel fundamental”, defendendo que “é impossível que os hospitais existam sem internistas”.
“Os médicos de medicina interna são o grupo de especialistas mais importantes dentro de um hospital”, disse.
Lembrou que há dezenas de anos que a especialidade existe e é reconhecida como tal em todo o mundo e deu o exemplo do último país da Europa a reconhecer a especialidade de geriatria: a França, em 2000.
Em Portugal, os médicos que fazem formação nesta área e nela trabalham podem ter a competência em geriatria reconhecida pela Ordem dos Médicos.
A este propósito, contou ter ficado surpreendido pelo facto de os candidatos a bastonário da Ordem dos Médicos terem vindo reconhecer apenas a necessidade de estruturas de cuidados paliativos, recordando: “os cuidados paliativos não são para os velhos, são para todos os grupos etários. Mas parece que ignoram que cuidados paliativos não são geriatria”.
Sobre o ensino da medicina, disse precisamente que o ensino clínico (prático), e não apenas o teórico, da geriatria é “uma das falhas”.
“A geriatria é uma cadeira clínica, prática, e não teórica. Podemos ensinar a teoria, mas falta o resto”, concluiu.
Gorjão Clara foi até outubro coordenador do grupo de estudos de geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, tendo coordenado e organizado formações em geriatria a médicos que dão assistência a idosos em lares.
É presidente da Associação de Médicos dos Idosos Institucionalizados, lançada no ano passado e que tem sábado a sua primeira reunião, onde serão abordados os desafios da assistência médica aos idosos que vivem nos lares.
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