O projeto “Mecanismos de infiltração no sistema nervoso central em leucemia aguda precursora de células B tipo cromossoma de Filadélfia (CENSIBALL)” venceu a segunda edição da Bolsa de Investigação em LLA (leucemia linfoblástica aguda), no valor de 15 mil euros, uma iniciativa da Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL) e da Sociedade Portuguesa de Hematologia com o apoio da Amgen Biofarmacêutica.

A equipa vencedora é constituída por Nuno Rodrigues dos Santos (na imagem), investigador do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, Luís Maia, clínico em neurologia no Centro Hospitalar Universitário do Porto e investigador no i3S, Matthias Futschik, investigador do Imperial College London Faculty of Medicine, Dulcineia Pereira, hemotologista no Instituto Português de Oncologia do Porto, e Ricardo Pinto, hematologista no Serviço de Hematologia do Hospital de São João, no Porto.

Nesta entrevista, Nuno Rodrigues dos Santos, principal responsável deste projeto, explicou-nos o trabalho que a sua equipa pretende desenvolver para “tentar melhorar o tratamento dos doentes que têm leucemia infiltrada no sistema nervoso central”.

HN- Pode descrever de forma sucinta o projeto?

Nuno Rodrigues dos Santos (NRS)- O projeto centra-se na leucemia linfoblástica aguda e pretende abordar um problema que surge nalguns doentes: a infiltração das células leucémicas no sistema nervoso central, que tem como consequência, às vezes, sintomas de ordem neurológica e até está associada a doença mais agressiva, a recaídas, e para a qual não existe um tratamento específico. Um grupo de doentes com leucemia linfoblástica aguda sofre recaídas, ou seja, são tratados por quimioterapia, mas a leucemia volta a aparecer, e uma proporção desses doentes – cerca de 30 a 40% – tem as tais células leucémicas no sistema nervoso central. O nosso projeto pretende analisar quais são as alterações moleculares ou genéticas nessas células leucémicas que estão no sistema nervoso central, para tentar encontrar alvos de terapia, ou seja, com um fármaco, um medicamento, um anticorpo, ou algo que possa ser administrado, impedir que as células cresçam no sistema nervoso central ou que não entrem, facilitando a terapia desses doentes.

HN- O que vos motivou a desenvolver investigação nesta área?

NRS- Eu estou a trabalhar na área da leucemia linfoblástica há muitos anos, e nós estamos a desenvolver modelos animais de leucemia linfoblástica para tentar compreender como é que ela se desenvolve e quais são os mecanismos. Neste caso, nós temos agora em curso um projeto em que criámos um novo modelo animal e verificámos que os animais tinham muitas características semelhantes aos doentes com leucemia linfoblástica com infiltração do sistema nervoso central. Portanto, as mutações que nós introduzimos no animal, que fazem com que desenvolva leucemia, estarão envolvidas nessas características, por isso achámos que era um bom ponto de partida para estudar esse mecanismo e tentar encontrar novas terapias para esse problema, porque, como eu estava a dizer, não existem terapias específicas para tratar as células leucémicas do sistema nervoso central.

Colaboramos com hematologistas do Hospital São João, do Porto, e IPO do Porto, para tentarmos fazer novos modelos animais, desta vez com células humanas que são introduzidas em ratinhos imunodeficientes, e fazer uma comparação entre leucemia de ratinho e leucemia humana, tentar confirmar que essas proteínas que são específicas das formas leucémicas no sistema nervoso central são comuns nos dois contextos (leucemia humana e de ratinho) e, com esses modelos, vamos poder testar essas moléculas.

HN- Quais os principais resultados que esperam vir a alcançar?

NRS- A investigação constrói-se a partir de hipóteses e às vezes é um caminho tortuoso. Realizam-se experiências com a expetativa de encontrar um resultado e às vezes não ocorre esse resultado, ocorre uma coisa por vezes até mais interessante. Portanto, o que nós vamos desde já garantir é, com os modelos animais que temos, de leucemia humana e de leucemia de ratinho, uma descrição completa do que é que as células leucémicas no sistema nervoso central expressam em termos de genes. No fundo, é tentar caracterizar essas células do sistema nervoso central. Por isso, estamos em colaboração com um neurologista investigador expert na recolha e estudo do líquido cefalorraquidiano – que é um líquido que envolve o cérebro e a espinal medula. Ou seja, vamos recolher células leucémicas do líquido cefalorraquidiano de modelos animais e, com essas células, vamos realizar essa caracterização aprofundada das células leucémicas nesse local anatómico. Esse é o primeiro passo. O segundo passo é, através de análises comparativas que vamos fazer, identificar e testar genes específicos que estejam associados ao desenvolvimento de leucemia no sistema nervoso central.

HN- De que forma esses resultados podem contribuir para um tratamento mais eficaz da LLA?

NRS- Nós queremos identificar alvos terapêuticos. Agora, se vamos conseguir obter mesmo um fármaco no final do projeto, isso ainda é uma incógnita. Estamos a pensar num projeto de dois anos. O que eu espero é ter identificado moléculas que sejam importantes para a infiltração do sistema nervoso central e abrir a porta para esse mundo que é depois tentar saber se pode ser aplicável para terapias.

Existem muitos investigadores e empresas que estão a desenvolver moléculas para inibir muitas das proteínas do genoma humano. Uma possibilidade é tentar saber se já existem inibidores e testá-los nos animais. E claro, isso será a fase pré-clínica da investigação. Portanto, primeiro em modelos animais ou células em laboratório, antes de se poder considerar a administração em humanos. Claro que se for uma molécula que já esteja aprovada para uso em humanos poderá ser mais rápido, mas, neste momento, ainda não temos esses alvos identificados.

HN- O que distingue os casos com a ativação JAK2 e eliminação de supressor tumoral CDKN2A dos demais casos de LLA?

NRS- O nosso modelo animal tem essas mutações, mutação na proteína JAK2 e também deleção ou perda da proteína CDKN2A, que ocorrem em doentes humanos e estão associadas a um grupo de doentes, maioritariamente adultos, muito difíceis de tratar: doentes em que as quimioterapias são menos eficazes e incapazes de eliminar a leucemia, e para os quais não é possível fazer uma transplantação de medula óssea, que em adultos nem sempre é tão viável como em crianças com leucemia, devido à idade avançada.

O facto de termos esse modelo animal com as mutações referidas vai-nos permitir testar algo que pode ser útil para doentes que têm mau prognóstico, que não têm tratamentos adequados e específicos para eles.

HN- Quais as melhorias a nível clínico que podem resultar desta investigação?

NRS- Tentar melhorar o tratamento dos doentes que têm leucemia infiltrada no sistema nervoso central. A terapia atual é a quimioterapia intratecal, que consiste na administração de fármacos dentro das meninges. As meninges são as membranas que envolvem e protegem o cérebro e espinal medula entre estes órgãos e o crânio e vértebras. A terapia atual para esses doentes é a quimioterapia por punção lombar e injeção direta de metotrexato no líquido cefalorraquidiano, um composto que tem algum grau de toxicidade. Dá-se doses muito elevadas desse composto de quimioterapia para tentar matar o máximo possível de células leucémicas, mas isso muitas vezes acarreta complicações neurológicas. Esses doentes, no caso de serem curados, podem vir a ter sequelas de ordem neurológica, como problemas cognitivos. Por isso, encontrar terapias mais adequadas, mais seguras e mais eficazes seria ideal para esse tipo de doentes.

Entrevista de Rita Antunes