As doenças cardíacas nas mulheres estão a aumentar e a matar cada vez mais, sendo responsáveis por uma em cada três mortes anuais. Chegam sorrateiramente, sem os sintomas típicos, e deixam mais sequelas do que nos homens.

Esta é uma realidade que está a deixar preocupada a comunidade médica, em Portugal e na Europa, que procura respostas para uma doença que tem manifestações diferentes nas mulheres, com consequências mais desastrosas, mesmo ao nível das intervenções médicas.

Várias médicas cardiologistas pertencentes a um organismo europeu chamado “Women in innovation” (WIN) revelaram, num encontro médico, decorrido na semana passada em Praga, que os enfartes do miocárdio estão a aumentar nas mulheres e são muitas vezes irreconhecíveis, sem sintomas ou com sintomatologia diferente da clássica dor no peito.

Uma doença que classicamente se associa ao homem, porque a natureza dotou a mulher de uma hormona (estrogénio) que protege fortemente o coração, mas que agora se vira cada vez mais para o sexo oposto, em consequência dos novos hábitos de vida das sociedades.

De acordo com a cardiologista de intervenção do Hospital de Santa Marta Lídia Sousa, os enfartes estão a aumentar na população feminina mais jovem pelo crescimento dos hábitos de tabagismo, em particular quando associados à utilização da pílula.

Mas há também outros fatores de risco relacionados com o estilo de vida, como a obesidade e o sedentarismo, e com o “aumento da sobrevida, que acarreta um aumento das doenças concomitantes e dos fatores de risco cardiovasculares”.

Quanto ao maior impacto que a doença tem na mulher, Lídia Sousa explica que existe “uma evolução menos favorável”, que é condicionada por vários fatores: o aparecimento numa idade mais tardia, em que a presença de co-morbilidades é mais significativa, o diagnóstico mais tardio e menos frequente nas mulheres (e subsequente tratamento menos adequado e tardio).

A taxa de mortalidade nas mulheres por síndrome coronário agudo é mais elevada do que nos homens, novamente pela idade e co-morbilidades, mas também por outros fatores como o facto de terem artérias de menor calibre e terem maior risco hemorrágico.

“As mulheres, além de maior mortalidade, parecem ter também mais evolução para algumas das complicações mecânicas do enfarte e para insuficiência cardíaca”, salientou.

Os dados apresentados pelas WIN mostraram também que após a angioplastia primária – técnica de desentupimento das artérias tida com a mais eficaz no enfarte do miocárdio – todas as mulheres submetidas a esse tratamento tiveram complicações relacionadas com o sangue, que 37 por cento têm mais risco de morte, de complicações e de re-hospitalizações do que os homens e as mulheres com mais de 55 anos têm cinco vezes mais risco de morte.

Segundo Lídia Sousa, estas complicações explicam-se também pela idade, pelas co-morbilidades e pelos diagnósticos tardios, mas também por aspetos relacionados com a “anatomia das coronárias e com o risco hemorrágico”.

Os diagnósticos tardios ou errados nas mulheres explicam-se por quadros de dor ou mal-estar que apresentam, mais difíceis de interpretar, por não seguirem o padrão habitual.

Segundo a médica, algumas queixas são, por exemplo, interpretadas como “quadros de origem osteo-articular ou abdominais”.

As doenças cardiovasculares (cardíacas e cérebro-vasculares) são a principal causa de morte nas mulheres, sendo que uma em cada três mortes são motivadas por problemas cardíacos.

De acordo com os dados do Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção, entre os doentes submetidos a angioplastia coronária percutânea, a mortalidade intra-hospitalar para as mulheres com enfarte foi superior (4,5% versus 2,7% nos homens), sendo que estas constituem já 25% do total destes doentes.

7 de março de 2012

@Lusa