A endometriose estará em foco da Assembleia da República esta quinta-feira. Será debatida a Petição Pública para criação de uma Estratégia Nacional de Combate à Endometriose e Adenometriose apresentada pela Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose (Mulherendo).

Também esta quinta-feira, será discutido o Projeto de Lei do Bloco de Esquerda que propõe a alteração ao Código do Trabalho, que mediante prescrição médica, que não carece de renovação mensal, as pessoas que sofram de endometriose ou adenomiose poderão entregar um atestado ao empregador que justifique falta até três dias consecutivos por mês, sem perda de rendimentos. Foram também submetidos três projetos de resolução por parte do Partido Socialista, da Iniciativa Liberal e do Partido Comunista a propósito desta doença incapacitante.

A endometriose é uma patologia ainda desconhecida, mas estima-se que existam em Portugal 230 mil mulheres com endometriose. É uma doença com impacto na qualidade de vida das doentes e que pode condicionar muito as suas vidas pessoais e profissionais.

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Sobre este tema, entrevistámos Daniel Pereira da Silva, médico ginecologista, áreas de diferenciação: cirurgia ginecológica e cirurgia ginecológica-oncológica.

O que é a endometriose?

A endometriose é a presença de endométrio fora da cavidade uterina. O endométrio é a camada mais interna do útero, a camada que é fundamental para que a gravidez se inicie e que se descama e dá origem à menstruação quando a mulher não está grávida.

A situação mais frequente são focos de endométrio ou seja de endometriose, na pélvis: nos ovários, nas trompas ou na película que reveste todos os órgãos abdominais (peritoneu) em extensão muito variável. Em casos muito mais raros, pode haver focos de endometriose a penetrar no intestino, no umbigo, nos pulmões ou mesmo no cérebro.

Quais os sintomas?

Os sintomas são muito variáveis. Podem ser ligeiros, graves ou muito graves. O sintoma mais comum são dores: dores associadas à menstruação (dismenorreia); dores associadas às relações (dispareunia); dores associadas às dejeções (disquesia); e dores, dores e dores.

Todo esse contexto prejudica seriamente a vida da mulher, que tem um sofrimento constante e crónico, e é uma causa comum de infertilidade.

É uma doença crónica que só cura com a menopausa, porque os focos de endométrio desenvolvem-se e provocam inflamação sob a influência do funcionamento dos ovários.

Daniel Pereira da Silva, médico ginecologista

Quem deve procurar ajuda médica?

Todas as mulheres com dores pélvicas devem procurar ajuda especializada. Todas as mulheres que tomam pílula e têm dores devem desconfiar que podem ter endometriose. A dor é o grande sinal de alerta, é o sintoma que deve ser devidamente valorizado. Ter dor não é normal, o que não significa que é sempre endometriose, mas tem sempre de ser devidamente avaliada e controlada. Não ter dor é um direito.

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A doença tem sido corretamente diagnosticada em Portugal?

Não conheço nenhum estudo nacional que me permita ter uma opinião segura sobre essa questão. A endometriose não é uma doença fácil de diagnosticar. Alguns estudos realizados noutros países referem um atraso no diagnóstico. Todos conhecemos casos em que esse atraso foi significativo, o que nos alarma.  É importante notar que não há nenhum exame que seja conclusivo para o diagnóstico de endometriose, salvo a cirurgia. É preciso ouvir as doentes, é fundamental valorizar as suas queixas. Os médicos podem e devem suspeitar que uma mulher pode ter endometriose perante uma história de dor associada às menstruações e às relações sexuais.

Qual a especialidade médica mais indicada?

Sem dúvida que é a ginecologia. Faz parte da preparação dos ginecologistas, o estudo, o diagnóstico e o tratamento da endometriose. Os médicos da medicina geral e familiar têm mais dificuldade, o que é compreensível, porque não faz parte da sua prática diária e não é uma doença fácil de diagnosticar. Insisto que a condição mais fácil para chegar ao diagnóstico da endometriose é valorizar as queixas álgicas das doentes. Não é apenas isso, mas é sobretudo isso.

Qual a importância de uma Estratégia Nacional de Combate à Endometriose e Adenomiose?

Julgo que a maior importância é valorizar a doença ou seja valorizar a odisseia que é a vida de muitas doentes com endometriose, com o objetivo de sermos mais eficazes para a sua identificação e tratamento.

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