Cristina Mendes Santos, Investigadora Sénior no Fraunhofer Portugal AICOS, é a vencedora do FLAD Science Award on Mental Health 2024, iniciativa que apoia jovens investigadores em Portugal a desenvolverem novas linhas de investigação clínica em Saúde Mental, desde a prevenção até ao tratamento e reabilitação, em colaboração com centros de investigação nos Estados Unidos.
A investigadora vai receber, ao longo de três anos, 300 mil euros para desenvolver o projeto PRODROMUS que procura aumentar significativamente o conhecimento científico e o desenvolvimento da prática clínica para apoiar pessoas em risco de transição para a Psicose. Um projeto que também envolve os familiares e profissionais de saúde.
“Cristina Mendes Santos propõe recolher dados em contextos de vida real através de dispositivos móveis comerciais amplamente utilizados – como smartphones e pulseiras desportivas -, para capturar uma expressão digital do comportamento humano. Estes dados serão analisados com recurso a técnicas de Machine Learning e inteligência artificial para customizar e acionar a entrega em tempo real de intervenções psicossociais adaptativas a indivíduos em risco, explorando a sua eficácia na prevenção da psicose, e promoção do funcionamento global, do funcionamento cognitivo e da qualidade de vida em pessoas em risco de transição para a psicose”, informa a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD) no seu site.
Sublinhe-se que a “Psicose se refere a um conjunto de perturbações mentais graves e incapacitantes que se caracterizam por uma perda de contacto com a realidade, delírios, alterações do pensamento, alucinações, sintomas negativos, como o desinteresse, alheamento e embotamento afetivo e comportamentos bizarros, que resultam em elevado sofrimento psicológico e afetam negativamente todas as esferas da vida da pessoa”, lemos na página de apresentação do prémio no site da FLAD.
O projeto PRODROMUS centra-se na problemática da Psicose. Quer, brevemente, descrever a Psicose aos leitores e de que forma impacta na vida da pessoa afetada?
Sim. As perturbações psicóticas, como a esquizofrenia, apesar de afetarem 3 a 4% dos indivíduos, não sendo por isso as mais prevalentes, prendem-se às doenças psiquiátricas mais graves, dado o seu mau prognostico e impacto negativo nas diversas esferas da vida do doente, assim como na dos seus familiares. Estas caracterizam-se por uma perda de contacto com a realidade, delírios, alucinações, sintomas negativos, alterações do pensamento, como por exemplo desinteresse, alheamento e embotamento afetivo e comportamentos bizarros. Pelo exposto, percebe-se que há um elevado sofrimento psicológico. Tipicamente, estas manifestações iniciam-se na adolescência e nos primeiros anos da idade adulta. Esta facto, acarreta um significativo impacto socioeconómico, com um elevado consumo de recursos e serviços de saúde.
O seu projeto visa a prevenção e intervenção precoce em indivíduos em risco de transição para a psicose. Como se manifesta e deteta esta propensão para a psicose?
Os tratamentos antipsicóticos atuais, tais como as intervenções farmacológicas e psicossociais, são limitados no tratamento e melhoria das causas, fisiopatologia, sintomas e evolução das perturbações psicóticas crónicas. Assim, nos últimos anos, a atenção tem-se voltado para a prevenção e intervenção precoce em indivíduos em risco de transição para a psicose. O Primeiro Episódio Psicótico (PEP) é, geralmente, precedido por um período "prodrómico" durante o qual os indivíduos apresentam sintomas psicóticos subclínicos e uma perda do funcionamento cognitivo e psicossocial, conhecido como risco ultraelevado (UHR) ou risco clínico elevado de transição para a psicose (CHR). Mais especificamente, consideram-se indivíduos em risco aqueles que apresentem antecedentes familiares em primeiro grau de psicose, perturbação esquizotípica da personalidade, sintomas atenuados ou breves, limitados e intermitentes tipicamente associados às perturbações psicóticas.
Referiu há pouco a questão do “mau prognóstico”. Quer detalhar?
Sim. Atualmente, o início de uma perturbação psicótica não pode ser diagnosticado com precisão a partir de um sintoma ou conjunto de sintomas e existem dificuldades no acesso a cuidados especializados por estas pessoas em risco. Em Portugal, decorrem cerca de dois anos desde a manifestação dos primeiros sintomas psicóticos até ao seu tratamento. Uma proporção significativa de indivíduos em risco evita procurar ou não é referenciada e avaliada em serviços especializados durante a fase prodrómica. Quando estes indivíduos são avaliados, as referenciações dos clínicos assentam sobretudo em avaliações subjetivas, que não correspondem aos contextos de vida real das pessoas, como o contexto hospitalar, o que compromete uma predição precisa do risco de transição para a psicose e, consequentemente, a otimização e personalização do tipo de intervenção a prescrever a cada indivíduo. O projeto PRODROMUS nasceu, precisamente, da necessidade de desenvolver abordagens inovadoras e não-estigmatizantes, capazes de diagnosticar e prever com precisão o risco de transição para a psicose, que monitorizem objetivamente este risco em contextos de vida real e que permitam intervir atempada e oportunamente, de modo a prevenir a transição para a psicose em grupos de risco.
Em síntese, no que consiste o projeto PRODROMUS?
É nossa intenção codesenvolver com pessoas em risco de transição para a psicose, com os seus familiares e profissionais de saúde uma solução digital para prevenção da transição para a psicose. Esta solução, conta com uma aplicação móvel para pessoas em risco de transição para a psicose e uma aplicação web para profissionais de saúde. O projeto recorre a dados recolhidos através de smartphones e pulseiras desportivas que serão analisados através de modelos matemáticos avançados para identificar sintomas/sinais precisos e característicos do início das perturbações psicóticas. Uma vez identificadas estas características, iremos utilizar estes dados para construir modelos matemáticos que nos permitam antecipar e diagnosticar de forma mais precisa o desenvolvimento de condições psicóticas. Estes modelos matemáticos serão utilizados na solução desenvolvida para despoletar a entrega de uma intervenção digital baseada na terapia cognitivo-comportamental em momentos específicos, em que seja crítico intervir e as pessoas em risco estejam mais propensas para receber esse apoio.
Pode dar-nos um exemplo prático, do dia a dia?
Claro. Imagine um jovem que utiliza o seu smartphone para monitorizar sem esforço o seu estado de saúde e risco de transição para a psicose, sendo alertado quando este risco aumenta. Prevemos também que este possa aceder no seu smartphone a uma intervenção de autocuidado. Por exemplo, uma espécie de curso em formato e-learning, que o permitirá conhecer melhor a sua condição e aprender estratégias para lidar com dificuldades que sabemos poderem precipitar a transição para a psicose. No que se refere aos profissionais de saúde, estes poderão diagnosticar e acompanhar de forma mais precisa os seus utentes, sendo alertados quando o risco de transição para a psicose aumenta e podendo intervir atempadamente.
Como pretende desenvolver o projeto em termos práticos?
Iremos explorar a literatura e realizar investigação junto de potenciais utilizadores finais da solução, como pessoas em risco, profissionais de saúde e organizações, de forma a definir requisitos para o desenvolvimento da solução. Neste contexto, iremos utilizar métodos como a observação, entrevistas e questionários para compreender aprofundadamente o comportamento, necessidades e desafios com que estes stakeholders se defrontam e garantir que a solução desenvolvida os reflete e lhes responde.
Subsequentemente e de forma iterativa, iremos codesenvolver a solução e o seu modelo de serviço conjuntamente com os seus utilizadores finais, trazendo-os para o centro do processo de desenvolvimento. Para tal iremos conduzir atividades de cocriação, em que os utilizadores finais são convidados a desenhar conjuntamente com a equipa de investigação e desenvolvimento as interfaces, funcionalidades e interações inerentes à solução. Paralelamente, iremos proceder, como referi anteriormente à recolha de dados multimodais em pessoas em risco de transição para a psicose. Este desenvolvimento irá basear-se na plataforma mindLAMP do Beth-Israel Deaconess Medical Center – Harvard Medical School, nosso parceiro no projeto, adotando uma estrutura modular. Iremos desenvolver também métodos para melhorar a robustez dos dados e salvaguardar a privacidade dos procedimentos de recolha e modelação de dados.
Uma vez desenvolvida a solução iremos avaliar a sua usabilidade, como por exemplo a sua utilidade, facilidade de utilização, entre outros parâmetros, e conduzir um ensaio clínico híbrido de Otimização, Eficácia e Implementação (OEI) randomizado, controlado e multicêntrico, envolvendo 168 indivíduos em risco de transição para a psicose, de modo a avaliar a eficácia, experiência de utilização, e implementação da solução em contextos clínicos e de vida real. Por fim, estudaremos a custo-efetividade da solução desenvolvida e avaliaremos os modelos de serviço codesenvolvidos, monitorizando a sua correta implementação e sustentabilidade.
Contam com parceiros no desenvolvimento do ensaio que referiu?
Sim, este ensaio será conduzido em Portugal por uma equipa multidisciplinar que incluirá clínicos, engenheiros, designers e investigadores da Fraunhofer Portugal AICOS, Beth-Israel Deaconess Medical Center – Harvard Medical School, Hospital Escola–Universidade Fernando Pessoa, Centro Hospitalar São João, Linköping University, Escola Superior de Saúde e NOVA School of Public Health.
Se bem-sucedido, antecipamos que o projeto tenha um impacto significativo na facilitação do diagnóstico, acesso a cuidados especializados e acompanhamento de pessoas em risco, evitando-se a transição para condições crónicas, o que salvaguardará a qualidade de vida destas pessoas e promoverá a sustentabilidade dos sistemas de saúde.
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