O associativismo médico no nosso país tem uma enorme experiência acumulada, carregada de ensinamentos para que no futuro não se repitam erros que podem ter uma importância decisiva no desenvolvimento das ações reivindicativas.
As organizações representativas dos médicos nos vários âmbitos associativos estão obrigadas a dar o exemplo quanto ao seu funcionamento democrático e transparente, não permitindo que a sua intervenção se possa misturar com objetivos alheios aos médicos e com agendas de índole partidária.
Numa democracia, a pluralidade de partidos políticos constitui uma das traves mestras da sua existência e preservação.
Nesse sentido, todos os cidadãos têm o direito constitucional a optar pela integração num partido que suscite as suas simpatias ou que lhe reconheçam uma forma de ação e de ideias que se coadunem mais com a defesa dos seus interesses sociais e económicos.
O que já não é admissível é que sejam trazidas para o interior das organizações médicas, métodos e lógicas de cariz partidário.
Neste contexto, é óbvio que uma matéria que provoca rápidas e profundas consequências demolidoras na coesão reivindicativa de uma classe profissional são os aspetos partidários.
Se enquanto profissionais, os médicos possuem um campo muito alargado de interesses comuns, já enquanto cidadãos têm um amplo e diversificado leque de simpatias partidárias e, aqui, são muito maiores as diferenças do que as convergências.
Nenhuma organização está completamente imune a este tipo de “contágios” ou de apetites de aparelhos partidários.
A forma de limitar este tipo de situações é assegurar sempre um funcionamento de grande exigência democrática com atas rigorosas das reuniões dos seus órgãos estatutários, onde as decisões tomadas estejam registadas e sejam do conhecimento de todos os dirigentes.
Em todas as organizações, sempre que as regras de funcionamento democrático são atropeladas e se criam grupos com afinidades fora do contexto profissional e com recurso a procedimentos sectários e de instrumentalização dos órgãos dirigentes, mostra a experiência que o resultado inevitável foram sempre rupturas com maior ou menor dimensão.
Desde há meia dúzia de anos que a ofensiva do Poder político contra a classe médica tem assumido expressões violentas e com um grau de organização metódica sem precedentes no regime democrático.
Em vez da resposta das organizações médicas ter enveredado por uma abordagem de maturidade política e de elevado grau de consciência de classe profissional, assistimos a comportamentos suicidários que mais parecem trabalho “combinado “ com o poder político.
Desde logo, as organizações sindicais não mostraram qualquer preocupação em acautelarem a sua convergência reivindicativa e a sua unidade na ação.
Quando em 2008, as direções de então da FNAM e do SIM desencadearam um processo de unidade entre si para fazerem frente a uma das cruzadas contra a classe médica, houve a clara noção de todos os intervenientes que a unidade se faz entre diferentes.
Quando se faz entre iguais temos a unanimidade, o que é uma situação muitíssimo diferente.
Na procura da unidade, realizaram-se múltiplas discussões em torno de todos os problemas que afetavam os médicos e, na base da tolerância e do respeito mútuo, considerou-se que os interesses médicos seriam muito melhor defendidos se as naturais diferenças de opinião e de abordagem das situações não constituíssem obstáculo à ação conjunta das duas organizações sindicais.
Nesse sentido, foi decidido constituir delegações sindicais conjuntas para a mesa das negociações e de serem apresentadas também propostas negociais conjuntas.
Foram desenvolvidas dezenas de processos negociais com a assinatura conjunta das duas organizações sindicais, no continente, nas regiões autónomas a nível de acordos de empresa nas PPP.
Esta situação durou até há dois anos atrás.
A partir daí, assistimos a situações deploráveis no plano da ação reivindicativa.
As duas organizações sindicais passaram a fazer um tipo de “campeonato” de greves para ver quem marcava mais.
A banalização da greve, que deveria continuar a ser a última arma na defesa dos interesses profissionais, esgotou, transitoriamente, o ânimo de luta dos médicos, ainda para mais quando delas não resultaram ganhos negociais substanciais em torno das questões mais relevantes.
Não se conheceram quaisquer documentos negociais estratégicos para a defesa global dos médicos e a postura de alguns foi o maximalismo sindical do “tudo ou nada”, sabendo-se pela experiência que esta atitude acaba sempre no “nada”.
Nas concentrações promovidas pela FNAM passaram a aparecer convidados de algumas lideranças partidárias, o que viola os princípios basilares do sindicalismo que é a sua independência face ao Estado, partidos políticos e confissões religiosas.
Inevitavelmente, que após várias situações dessas, considerei que a minha liberdade de consciência me exigia uma tomada de posição de clara denúncia destas práticas.
A minha divergência era também o resultado de práticas antidemocráticas de funcionamento no interior do Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS).
Após manifestar esta minha divergência tenho sido alvo em várias redes sociais de um trabalho organizado de calúnias e de ataques pessoais que só revelam a desorientação dos beligerantes dos tais aparelhos partidários.
Têm sido discursos de ódio e com argumentos de idadismo vergonhosos para quem “bate com a mão o peito” e que, afinal, adota os mesmos métodos das forças extremistas que afirmam combater.
Importa referir que há 4 anos atrás, aproximando-se as eleições para os corpos dirigentes do SMZS, eu tomei a iniciativa de transmitir numa reunião da sua direção que não estaria mais disponível para exercer ao cargo de presidente, dado que era necessário que as gerações mais novas, cujo futuro profissional estava muito comprometido com as políticas ministeriais/governamentais, assumissem um protagonismo maior nos órgãos dirigentes.
Todos estiveram de acordo com essa perspetiva, mas na primeira reunião da nova direção saída das eleições, realizada para eleger os cargos executivos, o elemento mais velho desse órgão e um dos beligerante partidários, propôs-se para presidente e foi eleito pela maioria dos presentes.
Como sócio do SMZS, tenho todo o direito em participar na sua vida associativa e, por isso, integro a lista alternativa candidata às próximas eleições, cuja data está dependente do Ministério Público e dos tribunais, quando resolverem a tentativa ilegal da atual direção em alterar os estatutos sindicais, sem existir quórum para tal.
A coerência tem de constituir, sempre, um atributo da intervenção sindical e isso exige que não se mude de valores e de princípios consoante as conveniências em cada momento.
Naturalmente, que estando numa lista candidata serei o primeiro a defender que é às gerações mais novas que cabe assumir as principais responsabilidades na condução da atividade sindical.
É uma questão essencial de coerência.
Os beligerantes desses aparelhos partidários vão continuar a recorrer às calúnias porque não têm mais nada para apresentar, depois de tantas greves e de tanto verbalismo exaltado na via pública.
Aquilo que mais importa discutir agora são as formas de intervenção que não conduzam à fragmentação dos médicos e ao enfraquecimento da sua luta num momento crucial para o próprio futuro da profissão como é aquele que estamos a atravessar.
Um dos maiores trunfos que a intervenção reivindicativa dos médicos ao longo de largas décadas sempre preservou foi o relacionamento harmonioso e solidário entre os vários segmentos etários da nossa classe profissional.
Se as organizações sindicais continuarem numa disputa clubística e alérgica à unidade na ação, estão a atraiçoar os médicos e a fazer fretes ao poder político, seja ele qual for.
As competências legais de cada organização médica têm de ser rigorosamente respeitadas para não se verificarem intromissões nas competências alheias que só iriam criar atritos e maiores debilidades na luta pela superação dos graves problemas que nos atingem.
Quanto à direção da Ordem dos Médicos, globalmente considerada, não está a dar um contributo positivo para esta luta, ao manter escondido o novo relatório sobre a carreira médica elaborado por um diversificado conjunto de colegas a nível nacional, onde estão múltiplas propostas para a revitalização do trabalho médico e para a dignificação das suas condições de trabalho.
Estamos num tempo em que é necessário construir pontes entre as várias opiniões e não capelinhas de interesses e objetivos que nos são alheios.
Não podemos permitir que as lutas em defesa da nossa profissão e dos seus objetivos centrais sejam colonizadas por agendas alheias.
Este ano realizam-se eleições em algumas organizações médicas e o voto tem de ser usado com uma arma de uma cidadania ativa.
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