Perante tudo o que observam no dia-a-dia e revendo, no seu imaginário, a forma como têm sido tratados ao longo dos anos, poucos são os cidadãos que continuam a depositar confiança no Estado, nos partidos políticos, nos governantes e nos autarcas. Há pessoas perigosas, que magoam os outros, porque os não veem, outras que mentem para não verem o que fazem.  Os poucos cidadãos que se aproximam dos partidos políticos parecem ser, principalmente, ingénuos bem-intencionados ou oportunistas mal-intencionados. Após tantos anos de desilusões e sofrimento, os cidadãos já não sabem o que fazer para tentar mudar comportamentos. Muitos mantém-se à distância, comentam, fazem alguma chacota e observam.  A sociedade civil também não consegue dar respostas, continuando por construir a sociedade onde queremos viver.

Outra consequência que o cidadão tira do que observa é que tem de se proteger a si mesmo, de fazer o que for possível para assegurar a sua sobrevivência e a da sua família.  A sociedade atual não lhe incute confiança, nem lhe dá segurança. Os cidadãos aprenderam que não podem contar com o Estado nem com os governantes, e que são maltratados e humilhados quando precisam de alguma coisa. O cidadão é obrigado a estender a mão. Para resolverem problemas como o da habitação, se protegerem da insegurança, custearem as despesas da educação das crianças e as da saúde, construírem uma reforma minimamente decente, só podem contar consigo mesmos. Assim, se têm profissões ou atividade liberais, se podem fazer uns negócios, ou uns biscates, trabalham imenso, fazem por vezes o que não deviam fazer e tentam esconder o que podem da Autoridade Tributária e da Segurança Social. Os negócios, as negociatas e as práticas associais, os trabalhinhos por fora e os biscates, em todas as profissões e classes sociais, são a forma de construir uma reserva de segurança que, infelizmente, muitos acabam por não conseguirem fazer.  

Neste contexto, a noção de Sociedade Solidária, que é amplamente democrática, respeita, protege e é eficiente, não passa, quando muito, de uma vaga ideia, eventualmente de um ideal frustrado. 

O cidadão e a sociedade civil parecem não conseguir resolver o Impasse Civilizacional, que resultou de não se ter conseguido fazer, nos últimos 50 anos, muito mais do que se fez, do muito que é necessário fazer e com o qual se sonhou e se continua a sonhar. 

De outro modo, também não se compreende que tendo o país um clima e uma paisagem natural muito agradáveis, ao mesmo tempo, em 2022, e de acordo com o Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela Nova Information Management School (Nova IMS), “89% dos portugueses tenham tomado algum medicamento prescrito por um médico.” Por que razão particamente 90% dos portugueses precisam de medicamentos? Será que a sociedade da qual, todos nós fazemos parte integrante é tóxica e traumatizante?  Há quem fique chocado, por exemplo, quando vê um ministro ser transportado num Mercedes Benz de última gama. Será pirosice ou uma perceção particular da realidade?

Parece ser urgente que cada um tome a decisão de ser mais exigente, mais sério e mais sonhador, sem se esquecer dos outros. Em psicoterapia, mas não só, esta é, geralmente, uma excelente estratégia.

Um artigo de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.