O aparecimento de novos biomarcadores de lesão renal aguda (LRA) tem contribuído para o avanço no que toca ao diagnóstico precoce e à prevenção deste transtorno renal. Graças a estes biomarcadores de stress tubular e à apreciação clínica “vamos ser capazes de conhecer em que pacientes temos de prevenir o aparecimento da LRA”, comenta ao iSanidad o Dr. Gregorio Romero-González, nefrologista e diretor do Programa de prevenção da doença renal aguda no Hospital Universitário Germans Trias i Pujol de Badalona, nesta entrevista realizada com o apoio da bioMérieux. No entanto, atualmente ainda é utilizada a creatinina sérica como biomarcador da LRA. De acordo com o Dr. Romero-Gonzáles, “é um marcador muito tardio da lesão renal porque, quando a creatinina se eleva, sabemos que já se perdeu o 50% da massa dos nefrónios”. Para além disso, no caso do doente precisar de terapia de substituição renal, o nefrologista relembra a importância de prevenir a LRA, uma vez que a mortalidade pode atingir 50% destes doentes.
O que é a Lesão Renal Aguda (LRA) e quais são as principais causas?
A lesão renal aguda foi definida nas guidelines de 2012 como uma deterioração da função renal, definida como um aumento da creatinina de mais de 0,3 miligramas/decilitro em 48 horas ou de mais de 1,5 vezes o valor basal em sete dias. Isto é quando utilizamos como critério de diagnóstico a creatinina. Quando utilizamos a diurese, a LRA é definida como uma redução da diurese de menos de 0,5 mililitros por quilograma, por hora durante seis horas. Hoje em dia, a principal causa de LRA é definitivamente a causa hemodinâmica, tanto na lesão renal aguda adquirida na comunidade, como na lesão renal aguda desenvolvida dentro do hospital e que está relacionada com a sépsis.
Os pacientes com doença renal crónica apresentam maior risco de desenvolver LRA, uma vez que têm uma massa dos nefrónios reduzida e isso favorece o aparecimento da lesão renal.
Que tipo de pacientes apresentam maior risco de desenvolver LRA?
Existem fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento da lesão renal aguda num determinado contexto. Trata-se dos fatores de risco alheios ao paciente. Ou seja, ter mais de 65 anos e ser homem representa maior risco de LRA. Por outro lado, o paciente hipertenso, especialmente o que está a ser tratado com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou com antagonista de recetores de angiotensina II (ARA II), é mais suscetível de sofrer LRA.
Também apresentam maior risco os pacientes com doença renal crónica, uma vez que têm uma massa dos nefrónios reduzida e isso favorece o aparecimento da lesão renal.
Por último, estão os pacientes com diabetes mellitus ou pacientes com cirrose avançada.
Esta doença pode ser prevenida?
Sem dúvida. Considero que o problema passa por esperarmos pelo aumento da creatinina. É por isso que nós, os médicos que tratamos doentes com LRA, deveríamos pensar na probabilidade que têm de desenvolver uma lesão renal antes que registem um aumento da creatinina.
Num paciente com LRA moderada a grave, a mortalidade é muito maior do que num paciente com LRA leve ou num que não desenvolve esta lesão.
Também é preciso ter em consideração os fatores de risco que podem contribuir para a lesão e compreender qual o cenário em que se encontra o paciente naquele momento. Pode ser que este esteja com sobrecarga de volume, que esteja séptico, pode ter necessitado de contraste ou que estejamos a administrar medicamentos nefrotóxicos. Tudo isto pode provocar uma maior probabilidade de que o doente desenvolva uma LRA e, portanto, devemos trabalhar na prevenção.
Quais as consequências que pode ter no organismo a medio-longo prazo?
Em primeiro lugar, e inclusivamente a curto prazo, o paciente que desenvolve uma LRA vai ter de ficar mais tempo hospitalizado. Isto cria um aumento na despesa do tratamento do doente. Por outro lado, num paciente com LRA moderada a grave, a mortalidade é muito maior do que num paciente com LRA leve ou num que não desenvolve esta lesão. Isto é particularmente importante no paciente que precisa de terapia de substituição renal, no cenário da LRA, já que a mortalidade pode aproximar-se dos 50% nesses doentes.
A médio e longo prazo, não podemos esquecer que o paciente com LRA tem maior risco de sofrer Doença Renal Crónica (DRC) ao longo da vida. De facto, é sabido que um paciente com LRA tem oito vezes maior probabilidade de desenvolver uma DRC ao longo da vida, assim como apresenta três vezes maior probabilidade de precisar de diálise, com os custos que isso representa.
Devemos começar a incluir biomarcadores de lesão tubular ou de stress tubular que consigam prever um diagnóstico precoce e, nos pacientes que vão desenvolver LRA, o grau do estadio moderado a grave.
O que tem de ser mudado na prática clínica de forma a reduzir a incidência e as consequências da LRA?
É preciso insistir na prevenção e, para tal, é preciso implementar duas estratégias. Em primeiro lugar, antes de existir um aumento da creatinina, devemos identificar que pacientes têm risco de desenvolver LRA. É por isso que são propostas diferentes métricas, como o teste de angina renal que indica se o paciente tem pequenos aumentos de creatinina, se tem sobrecarga de volume ou se está com dificuldades em urinar.
Em segundo lugar, devemos começar a incluir biomarcadores de lesão tubular o de stress tubular que consigam fazer um diagnóstico precoce e, nos pacientes que vão desenvolver LRA, o grau do estadio moderado a grave. Isto é, ligando a apreciação clínica com os biomarcadores de stress tubular, poderemos compreender em que pacientes temos de prevenir o desenvolvimento de LRA.
Atualmente, continuamos a utilizar a creatinina como biomarcador da LRA, uma vez que é mais barato. No entanto, é um marcador muito tardio da lesão renal porque, quando a creatinina se eleva, sabemos que já se perdeu o 50% da massa dos nefrónios. Existem outros biomarcadores disponíveis mais dispendiosos, mas que iram representar um melhor custo-benefício, atendendo à despesa que representa a LRA, por exemplo, nos casos que acabam em diálise e hospitalização mais longa.
Um dos biomarcadores disponíveis, comercializado como NephroCheck, permite prever a probabilidade de desenvolver LRA nas próximas 48/72 horas, antes do aumento da creatinina.
Um dos biomarcadores que já está se encontra disponível, comercializado como NephroCheck, permite prever a probabilidade de desenvolver LRA nas próximas 48/72 horas, antes do aumento da creatinina. Trata-se de um teste de urina que mede o inibidor tissular da metaloproteinase 2 (TIMP-2) e a proteína do fator de crescimento semelhante à insulina 7 (IGFBP-7).
Como podemos consciencializar os profissionais de saúde para a importância de prevenir a doença renal nos seus doentes?
A melhor maneira de consciencializar os colegas que lidam com estes pacientes é sublinhar a importância da prevenção e de evitar as complicações da LRA. Claramente, o paciente com esta lesão irá progredir, em geral, para uma DRC ou irá necessitar de diálise ao longo da vida.
Portanto, a LRA não é unicamente a creatinina a elevar-se, é muito mais do que isso. Significa que o doente vai ter menor probabilidade de recuperação renal e que vai permanecer mais tempo internado e provavelmente vai necessitar de tratamento, como é o caso da diálise. Isto conduz a um custo e a um impacto importante na qualidade de vida do paciente e na sustentabilidade do sistema de saúde.
A LRA conduz a um custo e a um impacto importante na qualidade de vida do paciente e na sustentabilidade do sistema de saúde
Quais as ferramentas de diagnóstico atualmente disponíveis?
Em 2007 realizámos um projeto, com colegas de Itália, em que falávamos sobre a necessidade de contar com equipas de resposta rápida para a LRA, tal como existem para o AVC ou para o enfarte agudo do miocárdio. Atualmente, no Hospital Universitário Germans Trias i Pujol estamos a liderar o projeto Código AKI, com o objetivo de prevenir a LRA em pacientes hospitalizados. Para isso, utilizamos o conceito de Rapid Response Team e damos especial atenção aos fatores de risco de cada um dos pacientes, assim como ao seu quadro clínico e realizamos uma avaliação clínica completa onde incluímos a avaliação Point-of-care ultrasonography.
Da mesma forma, em relação aos pacientes com risco moderado a grave de desenvolver LRA, incluímos nas análises um biomarcador que, neste caso, é o NephroCheck. Com todas estas métricas seremos capazes de entender em que pacientes precisamos de evitar fazer mais intervenções que stressem o túbulo e acabem em LRA.
Os novos biomarcadores renais indicam-nos como é que vão evoluir estes pacientes que têm esse marcador elevado, uma vez que sabemos que têm menor probabilidade de recuperação renal.
Qual a sua opinião sobre os novos biomarcadores renais? Conseguem ajudar a prevenir a LRA?
Sem dúvida. Com estes biomarcadores estamos a assistir a algo muito interessante e que não tem apenas a ver com o aparecimento da LRA, mas também nos indicam como é que vão evoluir estes pacientes que têm esse marcador elevado, uma vez que sabemos que têm menor probabilidade de recuperação renal. De facto, estamos prestes a publicar um estudo no qual se observa que estes pacientes respondem menos ao tratamento diurético e podem necessitar de terapias de substituição renal.
Portanto, esses biomarcadores não só são capazes de prever o paciente que desenvolverá LRA antes do aumento da creatinina, mas também estarão associados a um desfecho geralmente negativo, como o uso de terapias de substituição renal e a má recuperação renal.
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