Há quanto tempo tem endometriose?

Os meus sintomas começaram pouco depois da primeira menstruação, ou seja, pelos meus 11 anos. Contudo apenas obtive o meu diagnóstico por volta dos 23 anos. Neste momento tenho 38 anos, o que me faz sentir que, no fundo, a endometriose sempre fez parte da minha vida.

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Por que motivo demorou tanto tempo até conseguir um diagnóstico?

Consultei vários médicos sem que nunca me tenha sido diagnosticada a doença. Os meus sintomas foram inclusive banalizados por vários profissionais de saúde. Quando finalmente consultei um médico com diferenciação no tratamento da doença tive diagnóstico de endometriose profunda grave e mais tarde também chegou o diagnóstico de adenomiose difusa.

Quais os principais desafios que as mulheres com endometriose, como a Susana, têm de enfrentar?

Sem dúvida que um dos maiores desafios passa por lidar com o desconhecimento e a desvalorização, sobretudo quando procuramos médicos de várias áreas no sentido de procurar respostas para uma sintomatologia que é, na maioria dos casos, muito incapacitante e dolorosa e que pode comprometer órgãos e que interrompe sonhos e projetos de vida. Todos os dias nos chegam casos de mulheres que procuram respostas junto dos médicos que as acompanham e encontram apenas ideias padronizadas e perpetuadas de que ter dor é normal, associadas ao conselho banalizado e assente nos mitos de que tomar a pílula ou engravidar, resolve o problema. Por outro lado, a resposta por parte do SNS neste momento é quase inexistente, o que leva a que muitas mulheres, impossibilitadas de terem um seguro de saúde, por razões muitas vezes financeiras, não consigam sequer um acompanhamento especializado, sob pena de a doença avançar e comprometer gravemente a sua saúde.

Todos os dias nos chegam casos de mulheres que procuram respostas junto dos médicos que as acompanham e encontram apenas ideias padronizadas e perpetuadas de que ter dor é normal

Quais foram os seus sintomas de alerta?

Pouco tempo depois da menarca comecei a ter muitas dores menstruais. Com o passar dos anos, essas dores foram-se tornando incapacitantes ao ponto de não me conseguir levantar da cama e de ter de ir para a urgência para ser medicada por via endovenosa. Alguns anos antes de ter o meu diagnóstico começaram também os sintomas intestinais, nomeadamente cólicas muito intensas e quadros severos de diarreia e/ou obstipação. A par de tudo isto tinha recorrentemente sintomas de infeções urinárias e também dores nas relações sexuais.

Sente que a população tem conhecimento sobre este tema ou que ainda há um grande desconhecimento sobre a endometriose?

Em primeiro lugar, importa aqui definir duas vertentes onde o desconhecimento da doença é ainda uma realidade: para a sociedade de uma forma geral e para os profissionais de saúde em particular.

No que diz respeito à sociedade, queremos acreditar que há cada vez mais informação e procuramos trabalhar diariamente nesse sentido e isso reflete-se no crescimento que temos vindo a registar ao nível dos contactos que recebemos diariamente e também na forma como as próprias mulheres conhecem já os sintomas das doenças e pedem a nossa ajuda na procura de médicos que as possam efetivamente ajudar. Por outro lado a nossa participação em vários meios da comunicação social tem vindo a crescer também, o que permite que possamos chegar cada vez a mais pessoas.

No que diz respeito aos profissionais de saúde, onde nos é mais difícil atuar, sentimos que há um grande apoio e preocupação por parte dos médicos que efetivamente têm experiência na área, que procuram também eles realizar um trabalho de divulgação consistente. Mas a realidade é que há ainda um longo caminho a percorrer e isso é muito evidente nos testemunhos que todos os dias nos chegam de mulheres que procuram respostas para os seus sintomas junto de vários médicos e não conseguem uma orientação, uma resposta ou um encaminhamento para outro médico. Enquanto tivermos uma média de 8 a 10 anos para a obtenção de um diagnóstico, com uma média de 8 médicos consultados nesse período de tempo, sem uma resposta, sem um encaminhamento, sem muitas vezes se realizarem os exames necessários, sabemos que há ainda ainda muito a fazer. E aqui estaremos, nessa jornada.

Uma das nossas grandes missões passa pela consciencialização para a doença, um trabalho que temos vindo a desenvolver em articulação com escolas, universidades e empresas

É nesse sentido que nasce a MulherEndo?

A MulherEndo é uma Associação que nasceu há quase dez anos dada a necessidade de dar apoio e orientação às mulheres que procuram resposta e ajuda para uma sintomatologia ainda muito desvalorizada no nosso país, associada a duas patologias - endometriose e adenomiose - que são ainda muito desconhecidas pela sociedade de uma forma geral e pela comunidade médica, em particular, mesmo no que diz respeito a médicos ginecologistas.

marcha MulherEndo a 25 de março

Neste sentido, o nosso trabalho é realizado de forma direta e próxima com as pacientes, que procuramos dotar da informação que as pode ajudar não só a conhecer melhor a doença mas a ter o encaminhamento para os médicos que têm experiência e uma abordagem diferenciada no que respeita ao diagnóstico, acompanhamento e tratamento da endometriose a adenomiose.

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Que ações têm desenvolvido?

Uma das nossas grandes missões passa pela consciencialização para a doença, um trabalho que temos vindo a desenvolver em articulação com escolas, universidades e empresas, onde dinamizamos sessões de sensibilização e esclarecimento sobre a doença, sob a premissa de que uma geração mais informada terá mais poder e um papel mais interventivo na sociedade. Por outro lado, diariamente damos resposta a todos os pedidos de ajuda que nos chegam pelos mais variados canais, seja no esclarecimento de dúvidas, no encaminhamento para médicos ou no apoio individualizado, adaptado a cada caso, uma vez que falamos de doenças com um grande impacto na vida de cada mulher e mesmo de cada família e da sociedade.

Ao longo destes quase dez anos de existência têm sido desenvolvidas atividades diversas como a World Wide EndoMarch, na qual participamos todos os anos (à excepção dos últimos três anos, devido aos constrangimentos da Covid-19) e temos desenvolvido também webinars e conferências com especialistas na área e formação específica e aprofundada para as mulheres com endometriose e/ou adenomiose. Temos ainda atividades desenvolvidas em específico para as nossas associadas, que incluem sessões mensais com especialistas de diferentes áreas que sabemos serem uma mais valia no sentido de lhes dar mais ferramentas que as ajudem a viver melhor com a doença.

Com o que é que podemos contar na marcha MulherEndo a 25 de março?

Com um dia que pretendemos que seja de união, de sensibilização, numa só voz queremos mostrar que continuaremos a lutar por mais e melhor por cada menina e por cada mulher, para que no futuro a doença seja devidamente reconhecida, valorizada e o acompanhamento médico especializado seja acessível a todas! Nesse dia teremos connosco médicos e terapeutas de outras áreas complementares, de reconhecida experiência no acompanhamento desta realidade e das histórias de tantas mulheres. E juntos caminharemos, por um futuro em que a endometriose faça parte do léxico de todos, como doença crónica e incapacitante, que tem que ser reconhecida, valorizada e tratada!

Porque é que iniciativas como estas são importantes?

Porque nos permitem chegar a mais pessoas, por um lado, mas também porque ao juntarmos um grupo tão grande de pacientes e das suas famílias, estamos a mostrar que ninguém está sozinho numa jornada que pode ser tão dura e transformadora. Queremos que todas estas mulheres saibam que na nossa associação continuaremos a lutar diariamente por cada uma delas, sabendo nós que não podemos mudar as suas histórias até aqui, mas podemos acompanhá-las no presente e, quem sabe, mudar o seu futuro.