Descobrir que se tem ou que um filho tem doença celíaca, mesmo para quem tem uma ideia do que é a doença, não é muito fácil, até porque geralmente não se tem a noção de todas as implicações, a vários níveis, que as restrições alimentares de uma dieta sem glúten, pode ter.
Para além disso, qualquer que seja o diagnóstico de doença crónica que se recebe, seja ela qual for, implica adaptações, exige mudanças, e traz um turbilhão de sentimentos, medos, inseguranças acabando por ser um processo, nem sempre fácil, até se conseguir chegar à aceitação.
No caso da doença celíaca (e de muitas outras) existe, muitas vezes, um também longo processo até se conseguir chegar à confirmação do diagnóstico, o que causa imensa angústia na própria pessoa e em quem a rodeia, sendo por vezes um alívio, pelo menos saber-se dar um nome ao que se tem. E aqui começa um novo longo caminho até à aceitação da doença e ao conseguir implementar a dieta com sucesso.
A doença celíaca é uma doença autoimune do intestino causada pela permanente sensibilidade ao glúten em indivíduos geneticamente susceptíveis, cujo único tratamento até ao momento é seguir uma dieta totalmente isenta de glúten. Mas, ao início o celíaco ainda nem sabe em que alimentos está o glúten, que é uma mistura de proteínas, presente nos cereais como o trigo, o centeio e a cevada. No entanto, há também um sem número de produtos industrializados e alimentos, naturalmente isentos de glúten, que podem estar contaminados com vestígios do mesmo.
Pois é, se não existisse o risco da contaminação cruzada, as restrições seriam menores e a ansiedade também diminuiria automaticamente. E é este risco que leva a que as rotinas de confeção e armazenamento dos alimentos se alterem para garantir a segurança do celíaco e o cumprimento rigoroso da dieta. Mas e fora de casa? Mas e nos eventos sociais? Ao início tudo parece muito complicado, por isso logo após o diagnóstico, um dos primeiros passos a dar é contactar a Associação Portuguesa de Celíacos (APC), pois aí tem acesso a muita informação atualizada e credível que ajuda a promover a literacia sobre a doença, ensina a ler rótulos e a reconhecer quais os alimentos proibidos e os permitidos. Tem também acesso a consultas de especialidade e tem a possibilidade de partilhar vivências e experiências com outras pessoas que passam pelo mesmo, o que pode ajudar a “normalizar” o facto de se ser celíaco ajudando na aceitação e compreensão dos diversos sentimentos. É que com o passar do tempo e, felizmente com as muitas alternativas que já existem, com os estabelecimentos certificados pela APC que garantem maior tranquilidade para o celíaco e família, evitando a desgastante e constante necessidade de explicar a doença, a necessidade da eliminação do glúten na alimentação, a importância do perigo da contaminação cruzada, começa a ser mais fácil a adaptação.
O importante é “abraçar a causa” e assumir que esta é uma condição para a vida, e que se o celíaco quer ser o mais saudáveis possível, tem que cumprir rigorosamente a dieta isenta de glúten e encarar os desafios que a mesma lhe vai colocando ao longo das diferentes fases de vida.
A sensibilização de quem o rodeia é essencial. Falta muita literacia sobre esta e outras doenças, mas cabe a cada celíaco promover essa sensibilização, estando preparado para o facto de que nem sempre esta será bem aceite e/ou compreendida pelos outros, mas que só assim se conseguem mudanças.
Claro que não é fácil, ter que estar constantemente a perguntar como são confecionados os alimentos, quais os ingredientes dos pratos, se estão à parte dos outros que contém glúten. É um reviver constante das limitações, da condição da doença e uma exposição permanente perante os outros, ficando à mercê de críticas de quem, por estar menos informado, considera estas questões “exagero” ou “esquisitice”.
“Mas de vez em quando podes comer um bocadinho, não é?”, “Que exagero…. Que mal faz se houver vestígios de glúten?!” ou “Ah, és celíaco… é aquela coisa do trigo… do glúten…. É só não comer pão e pronto!” são algumas das afirmações que se ouvem e que têm que ser contrariadas, de forma muito assertiva, contrapondo com a evidência científica acerca da doença e o que os especialistas dizem, que é quem de direito, deve opinar sobre o assunto.
E são estes aspetos psicossociais com os quais o celíaco tem que aprender a lidar.
Encarar a dieta como algo essencial para a manutenção da sua saúde; aprender a gerir as emoções desagradáveis (ex.: ansiedade, tristeza, raiva e/ou frustração) que alguns momentos podem proporcionar; não deixando de fazer as mesmas coisas que os outros (ir a restaurantes, festas de aniversário, etc.), embora com os devidos cuidados e acautelando as alternativas viáveis para si (ex.: levar a sua própria comida, falar antecipadamente com os restaurantes e informá-los sobre a sua condição e os cuidados a ter) e acima de tudo adotar uma atitude positiva e ajustada ao encarar a doença como um desafio, ao invés de um problema.
Resumindo, gerir e lidar com um diagnóstico de doença crónica não é fácil, mas tudo depende da atitude que se tem e da forma como se encara esse mesmo diagnóstico. Pois isso vai ser essencial para a aceitação da doença e das condicionantes que esta tem e do que temos que fazer para a minorar e aprender a viver com ela.
Caso não o esteja a conseguir fazer sozinho, procure ajuda especializada que o vai compreender e ajudar neste, por vezes, duro processo de aceitação e aprendizagem da sua nova condição.
Se assim for, é mais fácil ser saudável (e feliz) mesmo sendo celíaco.
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