“É muito importante que o Estado olhe para os recursos que tem disponíveis e para onde está a população e os organize. É isso que o Programa Nacional das Doenças Oncológicas tenta fazer como uma estrutura técnica de apoio aos órgãos de decisão”, disse José Dinis em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial do Cancro, assinalado no sábado.

O médico oncologista explicou que, sendo a esmagadora maioria dos doentes com cancro em Portugal tratados no Serviço nacional de Saúde (SNS), “a iniquidade no acesso estará em primeira linha ligado com a heterogeneidade e a desigualdade como o sistema nacional de Saúde está implementado em Portugal”.

“Há sítios onde funciona muito bem, sítios em que funciona assim assim e sítios onde funciona de uma forma não tão bem”, admitiu José Dinis, assegurando, contudo, que os doentes têm acesso aos melhores tratamentos disponíveis para o tratamento do cancro.

Questionado se a crise tem tido impacto na disponibilidade dos medicamentos, o especialista começou por explicar que os tratamentos oncológicos são multidisciplinares, indo das cirurgias mais simples às mais complexas, passando por tratamentos muito sofisticados com “máquinas que custam milhões de euros” e por tratamentos biológicos, como a imunoterapia, um dos grandes avanços da oncologia.

“Mas o que posso dizer é que, desde que há cerca de 10, oito anos, houve uma maior racionalização da entrada dos novos medicamentos no sistema nacional de saúde as coisas estão melhores. No entanto, continuamos a ter algum atraso, que também é monitorizado, mas não é isso que está a condicionar os tratamentos”, declarou.

José Dinis explicou que ainda decorre “um tempo considerável” entre a aprovação dos fármacos pela Agência Europeia do Medicamento e a sua integração nos hospitais públicos, mas, afirmou, “as entidades estão a trabalhar nisso e estão a par destas dificuldades e Portugal também tem que melhorar alguma coisa nesta área”.

Mas, insistiu, “qualquer português pode-se sentir seguro” porque tem acesso aos melhores tratamentos, realçando que a taxa de sobrevivência do cancro “honra Portugal”, porque está acima da média europeia.

Sobre se a saída de especialistas do SNS tem tido impacto nos serviços de oncologia, o médico disse que são afetados como a generalidade do SNS porque os tratamentos oncológicos envolvem várias especialidades.

“Eu próprio, no meu serviço já senti isso. Neste momento, acho que sentimos todos de uma forma muito vincada nas várias especialidades envolvidas”, disse, sublinhando que as medidas políticas para travarem ou para inverterem esta situação competem ao Governo e não ao Programa para as Doenças Oncológicas.

Segundo os últimos dados do Registo Oncológico Nacional, foram diagnosticados 57.878 novos casos de cancro em 2020, um aumento de 19,3% face a 2010.

Questionado se estes números se poderão ter agravado nos últimos anos em que houve atrasos nos diagnósticos devido à pandemia de covid-19, o oncologista explicou que é preciso aguardar pelos novos dados.

Mas questionou: “Porque é que a pandemia vai aumentar o número de diagnósticos? Não me parece, pelo menos de forma explosiva”.

Referiu que o que as pessoas temem é que as neoplasias diagnosticadas e que surgiram nesse período estejam em fases mais avançadas e que isso se traduza depois numa menor sobrevivência, mas disse que é preciso esperar, não sendo claro que isso vai acontecer.

Na véspera de se assinalar o Dia Mundial do Cancro, José Dinis apelou à população para adotar um estilo de vida saudável, evitando o tabaco, o sedentarismo, a exposição ao sol, moderar o consumo das bebidas alcoólicas e fazer uma alimentação saudável.

“É na prevenção que está o ganho porque quando a doença se estabelece já estamos todos atrás do prejuízo com tudo que advém em termos de impacto físico, psicológico e às vezes até monetário”, salientou.

José Dinis lembrou que o doente oncológico não é só quem está doente, mas a família e muitas vezes as pessoas e os amigos que o rodeia.

Por isso, apelou às pessoas para estarem mais atentos à medida que a idade avança, para fazerem rastreios, porque o aumento da esperança de vida da população e, acima de tudo, os hábitos de vida levam a um aumento da incidência do cancro.