A informação na área da saúde impulsiona a investigação e a inovação e é essencial para a tomada de decisão baseada na evidência. No entanto, os dados de saúde que suportam estas decisões têm sido historicamente e despropositadamente enviesados a favor dos homens. Existe um viés estrutural na forma como a informação é recolhida e analisada, resultando numa sub-representação das mulheres.
A origem deste problema remonta a 1993, data até à qual não era obrigatório incluir mulheres em ensaios clínicos. No entanto, mesmo depois desta data, alguns estudos continuam a não analisar os dados desagregados por sexo, ignorando como determinada patologia pode afetar as mulheres. A ausência de dados específicos sobre a saúde das mulheres tem consequências diretas como o atraso no diagnóstico, tratamentos inadequados e compreensão limitada de como as diferenças entre os dois sexos influenciam a progressão das doenças.
De acordo com o World Economic Forum, as mulheres passam mais 25% das suas vidas com problemas de saúde incapacitantes em comparação com os homens. Isto traduz-se em 75 milhões de anos de vida perdidos devido a doenças evitáveis ou morte prematura. Apesar de as mulheres viverem mais que os homens, a qualidade de vida durante esses anos adicionais é significativamente inferior. Ao resolvermos este problema, poderíamos garantir às mulheres cerca de 500 dias adicionais de vida saudável.
Esta disparidade manifesta-se ainda na forma como os médicos abordam determinados assuntos sobre a saúde feminina. Um destes exemplos é a diferença na avaliação sexual após tratamentos oncológicos: enquanto 9 em cada 10 homens sujeitos a braquiterapia para o cancro da próstata são questionados sobre a sua função sexual, apenas 1 em cada 10 mulheres são inquiridas sobre o mesmo tópico após uma terapia semelhante para o cancro do colo do útero.
À medida que a Inteligência Artificial (IA) ganha espaço na prestação de cuidados em saúde, a questão que se impõe é: como pode ser utilizada para mitigar este problema?
A IA tem revolucionado a área da saúde, desde a análise de imagens médicas ao diagnóstico de doenças genéticas. No entanto, se os modelos de IA se basearem em dados enviesados, corre-se o risco de perpetuar as desigualdades já existentes.
Um dos exemplos mais recentes aconteceu durante a pandemia da COVID-19. Nesta altura, 28,35% dos estudos realizados não reportaram dados desagregados por sexo. Desta forma não foi possível compreender as diferenças na resposta imunológica, efeitos adversos ou eficácia das vacinas entre homens e mulheres.
Quando um modelo de IA se baseia em dados enviesados, a favor do sexo masculino, pode gerar diagnósticos menos precisos para as mulheres ou até resultar em tratamentos menos eficazes, agravando a desigualdade já existente.
Corrigir este problema exige uma resposta multifacetada, desde a recolha de dados até à implementação e desenho de políticas públicas mais inclusivas. Estas políticas devem ser definidas de acordo com diretrizes para a inclusão de mulheres nos ensaios clínicos e para uma recolha de dados desagregada por sexo.
Os profissionais de saúde e investigadores devem ser sensibilizados para o possível viés que possa existir nos modelos de IA e que sub-representa as mulheres.
Cabe ainda a todas as mulheres contribuírem para a recolha de dados através de
“wearables” e incentivar a sua participação ativa neste tipo de estudos.
A desigualdade em saúde tem sido um tema em debate ao longo dos anos, que pode ser agravado por modelos de IA mal implementados. Mitigar a diferença de dados de saúde entre sexos não é apenas uma questão de igualdade, mas é um passo essencial para melhorar os resultados de saúde de uma parte tão importante da nossa população.
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