O trabalho, desenvolvido pela multinacional espanhola IASIST e que resultou num artigo a publicar na edição deste mês da revista da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), indica que os meses de abril (-51%) e maio (-43%) foram aqueles em que se registou uma diminuição mais acentuada no número de urgências.
A quebra nestes dois meses teve especial peso na urgência pediátrica, com -77% e -72%, respetivamente. Entre março e setembro deste ano, a urgência que menos caiu nos atendimentos foi a de psiquiatria (-20%).
Olhando para a urgência que representa maior volume de casos – a urgência geral - a quebra da procura foi de 30%, ou seja, menos 822 mil observações do que no ano anterior.
O estudo indica ainda que o perfil de procura das urgências de acordo com a triagem de Manchester – que atribui cores consoante a gravidade – não se alterou.
“Podíamos pensar que com a redução da ida às urgências só iria quem precisasse mesmo e as chamadas ‘falsas urgências’ desapareciam. Mas isso não aconteceu”, explicou à Lusa Manuel Delgado, da IASIST.
O responsável, que foi secretário de Estado da Saúde, sublinhou que a redução de 35% em média nos episódios de urgência se deveu ao medo dos doentes em serem contaminados com covid-19.
Manuel Delgado, que assina, em coautoria, o estudo/artigo que será publicado na revista APAH, diz que a decisão de fechar a atividade assistencial não urgente “foi excessiva”, mas sublinha: “Temos de ter alguma compreensão para isso. Não se sabia qual era a carga que a covid ia provocar na pressão hospitalar”.
“A exemplo do que tinha acontecido em Itália e Espanha, esperava-se uma maior carga na primeira vaga e isso não ocorreu”, acrescentou.
Os dados deste estudo indicam que as taxas de ocupação das camas dos hospitais públicos apresentaram em 2020 valores médios mensais que variaram entre 57% (abril) e 70% (julho), enquanto no ano anterior, e para os mesmos meses, os valores rondaram os 80%.
“Como nestas taxas estão já incluídos os doentes covid, fica clara a acentuada diminuição dos níveis de resposta dos nossos hospitais e o elevado incremento dos custos fixos por doente tratado”, referem os autores.
Houve menos cerca de 72 mil altas, o que representa menos 23% face ao período homólogo do ano anterior. A área cirúrgica foi responsável por 60% da diminuição das altas, com especial destaque para os meses de abril (-48%) e maio (-35%) e as maiores quebras registaram-se nos Hospitais do Grupo E (Hospitais Centrais), com uma redução de 29% do internamento.
Com a interrupção da atividade não urgente por causa da pandemia, as intervenções cirúrgicas baixaram e as de regime ambulatório foram as que caíram mais (-34%), o que os especialistas consideram que “surpreende face ao circuito específico desses doentes e à dispensa de internamento”.
“Suspeita-se que, com a reorganização estrutural para fazer face aos casos de covid, os profissionais de saúde afetos ao ambulatório, nomeadamente enfermeiros e médicos (anestesistas), tenham sido realocados, o que, consequentemente, influenciou a atividade de cirurgia de ambulatório”, escrevem.
As consultas médicas caíram 14% na comparação homóloga entre março e setembro, o que se traduziu em menos um milhão de consultas realizadas. O impacto nas primeiras consultas (-23%) foi superior ao verificado nas consultas subsequentes (-11%), o que permite concluir que “foram mais prejudicados doentes ainda sem confirmação diagnóstica e, assim, sem terapêutica instituída”, refere o artigo.
Em declarações à Lusa, Manuel Delgado sublinha que os hospitais, quando perceberam que a pressão da primeira vaga da pandemia não era tão forte como se esperava, deviam ter sido mais rápidos a retomar a atividade que tinha sido suspensa.
“O problema é que os hospitais fecharam portas e não tiveram a destreza para as reabrir imediatamente a seguir. Por volta de final de abril, meados de maio, já se tinha percebido que a pressão não ia ser assim tanta e devia-se ter retomado logo a atividade. Isso só começou a ser feito timidamente em junho e arrastamos até agora”, afirmou.
No estudo, os especialistas assinalam pela positiva, “o bom comportamento dos hospitais do Cluster F (IPO) e do Cluster P (psiquiátricos)” no que respeita às segundas consultas, com “um aumento que indicia que esses doentes mantiveram o acompanhamento clínico necessário”.
Para este trabalho foram usamos os dados disponibilizados pela ACSS através do Portal da Transparência, comparando a atividade hospitalar dos meses de março a setembro dos anos de 2019 e 2020, assim como dados de um inquérito feito aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
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