O responsável da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Timor-Leste, Arvind Mathur, disse em entrevista à Lusa, que o guia para estes casos permite “espaço” para que as autoridades e a família de um homem que morreu na segunda-feira cheguem a acordo.
Vincando que a decisão é soberana das autoridades timorenses, Mathur disse que o guia “é adaptável tendo em conta aspetos como a dignidade da morte, traições e cultura da família que devem ser protegidas, mesmo em detalhes de cremação ou enterro”.
Questionado sobre se é recomendação da OMS que o funeral ocorra num local específico, o Arvind Mathur disse que se trata de uma decisão timorense, considerando que ainda que as regras sanitárias do tratamento do corpo devem ser seguidas.
“O local do enterro não é uma questão crítica ou um desafio”, afirmou.
O responsável da OMS preferiu não comentar alargadamente o que tem motivado o atraso numa decisão do Governo, explicando que “tem havido diferenças em termos da interpretação e entendimento dos processos”.
Ainda assim vincou que o protocolo de segurança inclui “passos claros sobre como lidar com o enterro” e que aparenta haver “alguma má comunicação sobre o processo”, que procura “manter a segurança ainda que respeitando as práticas locais”.
“Se isto for claramente comunicado entre as partes penso que é possível de ser resolvido”, considerou.
Em causa está uma polémica que se arrasta desde o início da manhã de segunda-feira quando o homem, de 46 anos, morreu.
Rui Araújo, do Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC), explicou que o homem de 46 anos entrou no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) no domingo com um quadro grave, com tensão elevada, respiração dificultada e hemorragia.
“Pelo facto de ter frequência respiratória afetada, os médicos dos serviços de emergência deram atendimento e seguiram o protocolo normal, incluindo o teste PCR à covid-19”, explicou.
“O resultado foi positivo com um nível ativo elevado de 25.1. O paciente foi transportado para Vera Cruz e foram recolhidas análises a três pessoas da família, das quais duas tiveram resultados positivos: ou seja, três dos quatro habitantes da casa deram resultado positivo”, afirmou, mostrando as páginas com os resultados dos testes.
Araújo explicou que a família questionou a aplicação do protocolo previsto para o caso de mortes de pessoas infetadas com covid-19, referindo que foi feita uma nova análise post-mortem que confirmou “o que já se sabia com base científica, de que depois da morte o vírus se multiplica ainda mais”.
O ex-Presidente timorense, Xanana Gusmão, foi informado pela família do caso na madrugada de segunda-feira tendo-se deslocado para o local onde mantém desde aí – dormiu as últimas duas noites numa esteira no chão - um protesto exigindo que a vontade da família seja respeitada
Hoje, um enviado do responsável máximo das Nações Unidas em Timor-Leste, Roy Trivedy, entregou a Xanana Gusmão uma cópia do guia da OMS com as recomendações adaptadas a Timor-Leste sobre a “gestão de um cadáver de forma segura” em casos de covid-19.
Esse documento, que Arvind Mathur disse ter sido preparado e traduzido para tétum e comunicado às autoridades timorenses, explica, entre outros aspetos, que “o local adequado para o enterro pode ser identificado em consulta com a família e em conformidade com as medidas adequadas de prevenção de infeções”.
“Foi entregue um documento que partilhei com o coordenador residente com as recomendações técnicas. A OMS faz as recomendações, mas o Governo soberano é que decide que recomendações aplicar e como as aplicar no contexto local”, enfatizou Mathur.
As medidas determinam que a prioridade é a “segurança e o bem-estar de todos os que manuseiam um corpo”, definindo condições e métodos para preparação do corpo e considerando que “a dignidade dos mortos, as suas tradições culturais e religiosas, e as suas famílias devem ser respeitadas e protegidas”.
“As autoridades devem gerir cada situação caso a caso, equilibrando os direitos da família, a necessidade de investigar a causa da morte e os riscos de exposição à infeção”, afirma.
“A família e os amigos podem ver o corpo depois de ter sido preparado para o enterro, de acordo com os costumes, sempre que possível. No entanto, não devem tocar no corpo, nos pertences pessoais dos falecidos ou noutros objetos cerimoniais e higienizar as mãos depois da visualização”, considerou.
Deve procurar manter-se distanciamento físico rigoroso e medidas como uso de máscaras durante os rituais.
“Normalmente há adaptações por motivos culturais ou contextuais, dependendo da situação do país e dentro do quadro das recomendações de base científica”, explicou Mathur.
“A recomendação de tratar cada óbito caso a caso, não é apenas pelas condições das vítimas e do ponto de vista de prevenção da doença, mas também de aspetos emocionais e sentimentais da família”, afirmou.
Questionado sobre o risco de infeção do cadáver, Mathur frisou que “pode haver secreções acidentais e por isso se sugere que não se deve tocar o corpo” pelo que sem entrar no debate da virulência ou grau de risco, se devem tomar medidas de prevenção.
Relativamente à perceção de menor risco de transmissão da covid-19 e de alguma descrença no país sobre a doença – registaram-se até agora apenas dois mortos infetados com covid-19 e ambos tinham comorbidades – Mathur disse que é normal que haja “negação”.
O facto de ter havido poucos casos em Timor-Leste leva a isso, pelo que é importante, disse, perante o aumento exponencial de casos continuar a adotar medidas preventivas.
Comentários