A relação foi sugerida num debate por videoconferência, organizado pelo Presseclub Concordia​, da Áustria, no qual analistas, matemáticos, economistas, académicos e jornalistas, discutiram as diferenças relacionadas com a taxa de vacinação contra o SARS CoV-2 em países como a Bulgária, Roménia, Eslováquia, Rússia, Portugal e Dinamarca.

"Em países como Portugal e Espanha, pobres até ao final dos anos 1970, existe atualmente uma grande confiança nos sistemas de saúde públicos. No leste da Europa, durante o período comunista havia mais confiança no sistema de saúde do que agora porque o sistema colapsou. São situações opostas e interessante porque os vírus não conhecem as diferenças políticas", disse Mirjana Tomic, do PresseClub Concordia.

Tendo em conta que atualmente na Bulgária a taxa de vacinação contra o novo coronavírus é de 29% e em Portugal os valores atingem os 89%, incluindo crianças com mais de cinco anos de idade, Luísa Meireles, jornalista e diretora da agência de notícias portuguesa Lusa, disse que os portugueses confiam na vacinação e que "provavelmente" a explicação reside nos factos do "passado autoritário" do Estado Novo.

"Antes de 1974, Portugal era um país muito pobre com uma elevada taxa de mortalidade infantil, mas após a instauração do regime democrático e do Serviço Nacional de Saúde foi possível vacinar em larga escala todos os grupos etários, nomeadamente as crianças", disse Luísa Meireles.

A jornalista recordou que 97% das crianças portuguesas estão vacinadas contra várias doenças, adiantando que os "problemas iniciais" com as vacinas contra o SARS CoV-2 foram "curiosamente" resolvidos graças à intervenção de um "militar com carisma" que conseguiu que 90% da população fosse inoculada em nove meses.

"Em Portugal ainda há muitos casos relacionados com a variante Ómícron, mas as pessoas já não têm medo e isso está relacionado com a vacinação. Penso que mesmo antes da tomada de posse do novo Governo, Portugal vai abandonar as restrições", afirmou Luísa Meireles durante o debate.

Ivan Vejovda, um participante da Sérvia, recordou que na ex-Jugoslávia durante a ditadura do Marechal Tito as vacinas eram totalmente acessíveis e que durante a epidemia de sarampo em 1971 toda a população (cerca de 20 milhões de pessoas) foi vacinada em três semanas.

"Foi uma grande operação militar que ninguém contrariou. Tratava-se de salvar vidas e agora temos a situação oposta. No meu país, a Sérvia, a vacinação contra o covid-19 ronda os 50% o que não é mau, mas levanta questões políticas porque em países como a Roménia ou a Eslováquia muitos líderes nem sequer se vacinaram", afirmou.

Por "ironia" os russos, que criaram em 2020 a primeira vacina contra o SARS CoV-2 (a Sputnik V), não confiam nas vacinas porque o país está fechado à informação internacional, disse o economista russo Dimitry Dubrovskiy.

"Na Rússia existe uma estranha combinação entre o sistema soviético e o liberalismo e isto tornou as coisas pouco transparentes quanto ao processo de fabricação das três vacinas produzidas no país", explicou Dubrovskiy, referindo-se à falta de confiança da população em relação à mensagem oficial sobre os compostos contra o novo coronavírus.

Por outro lado, referiu, a imposição de "medidas autoritária" sobre as vacinas conduziu na Rússia a um sentimento de "desconfiança" por parte da população em relação à mensagem oficial e aos próprios médicos.

"Devido à privatização do sistema de saúde perdemos um número significativo de profissionais competentes. Há muitos médicos mais jovens que aconselham as famílias a não vacinarem os filhos. Há muita 'politização da ciência' e muitos médicos quase se apresentam como autoridades religiosas", disse Dimitry Dubrovskiy.

No mesmo sentido, mas sobre o Reino Unindo, o jornalista inglês Chris Elliot lamentou que o Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS) que foi "quase uma religião" no passado esteja muito afetado e que no momento atual a ciência seja debatida em jornais tabloides, fazendo com que os grandes assuntos da ciência "passassem a ser uma questão política".

O interveniente da Dinamarca, Michael Bang Peterson, professor de Ciência Política, e a da Roménia, Oana Popescu Zamfir, ex-secretária de Estado para os Assuntos Europeus do anterior governo de Bucareste, alertaram para os aspetos relacionados com a desinformação, as falhas de comunicação nas mensagens governamentais sobre a pandemia e os perigos das redes sociais na difusão de mensagens erradas.

O matemático eslovaco Richard Kollar também apontou as falhas na comunicação institucional e os perigos dos aproveitamentos políticos dos grupos anti-vacinas na Europa.

"Eu sou matemático, por isso, se consultarmos os modelos de opinião e de informação (vê-se que) muitos governos falharam nas mensagens e (…) as pessoas começaram a procurar outras respostas", disse Kollar.

"Os modelos matemáticos mostram de forma clara que as pessoas confiam nos vizinhos e nos amigos. Em alguns países, as instituições não forneceram informação credível aos cidadãos que foram buscar informação a outros lados. Trata-se de uma dinâmica muitas vezes sustentada em motivos políticos e históricos. Não fiquei surpreendido com os resultados", concluiu o matemático da Eslováquia.

A covid-19, doença respiratória provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 detetado no final de 2019 na China, provocou pelo menos 5.686.108 de mortes em todo o mundo desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.

Em Portugal, desde março de 2020, morreram 20.024 pessoas e foram contabilizados 2.745.383 casos de infeção, segundo a última atualização da Direção-Geral da Saúde.

A variante Ómicron, que se dissemina e sofre mutações rapidamente, foi detetada pela primeira vez em novembro na África do Sul e tornou-se, entretanto, dominante no mundo.