Em entrevista publicada pelo jornal Folha de São Paulo, Mandetta relatou que percebeu os riscos da substância quando médicos brasileiros começaram a testar a cloroquina em pacientes em estado grave que estão nos hospitais.
"Do que sei dos estudos que me informaram, e não concluíram, 33% dos pacientes que estavam em hospital, monitorizados com eletrocardiograma contínuo, tiveram que suspender a cloroquina porque deu arritmia que poderia levar a parada [cardíaca]. Esse número assustou, é alto", relatou Mandetta.
"Se todos os velhinhos tiverem arritmia, vão lotar o Centro de Tratamento Intensivo (CTI), porque tem muito mais casos de arritmia que complicação de Covid. E vou ter de arrumar CTI para isso, e pode ser que morra muita gente em casa com arritmia", acrescentou.
O ex-ministro da Saúde brasileiro afirmou que a intenção do Presidente do país, Jair Bolsonaro, em promover a cloroquina é fazer com que as pessoas pensem que podem voltar ao trabalho porque já existe um remédio.
"É algo para tranquilizar, recuperar a normalidade sem tanto peso na consciência. Se tivesse lógica de assistência, a ideia teria vindo de sociedades especializadas. Portanto, não há ninguém sério que defenda um medicamento como uma panaceia", afirmou.
Mandetta, demitido por Bolsonaro em abril por apoiar as medidas de isolamento social decretadas por governadores e prefeitos de cámara do país e por não ter aprovado um protocolo de uso da cloroquina para pacientes que não estão em estado grave, afirmou que o Governo não poderá dizer que não foi avisado sobre a crise que a pandemia geraria.
O Brasil já é o quarto no mundo em número de casos de Covid -19, com 241.080 infetados, e o sexto com mais mortes, tendo registado 16.118 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde mais actualizados.
"Eu nunca disse e não vou dizer, mas tivemos nossos estudos de cenários de números de casos e mortes. Nada do que está acontecendo hoje é uma surpresa para o Governo", disse o ex-ministro, cujo sucessor, Nelson Teich, também renunciou ao cargo na última sexta-feira.
A acentuada curva ascendente da doença indica que, no Brasil, as infecções e mortes continuarão a crescer exponencialmente, pois ainda não há previsões exatas sobre quando a doença atingirá seu pico.
Apesar desses números, o Presidente brasileiro é um dos governantes mais céticos sobre a gravidade da pandemia e insiste em criticar as medidas de distanciamento social adotadas pelos governos regionais para conter o avanço da doença.
"Ele [Bolsonaro] considerou claramente que a crise económica decorrente da crise da saúde era inaceitável, embora o alertássemos de que era uma doença muito grave e que o número de casos poderia surpreender", afirmou o ex-ministro da Saúde.
"A primeira impressão que tive foi de que o Governo não estava tão interessado no assunto e não estava dando a dimensão adequada. Somente quando já estávamos com o vírus e os casos que somavam, na segunda semana de março, eles perceberam que toda a sociedade estava intimamente ligada ao Ministério da Saúde como o principal ponto de referência ", acrescentou.
De acordo com Mandetta, os governadores e prefeitos começaram a adotar medidas de distanciamento social e foi então que "o Presidente [Bolsonaro] começou a fazer uma leitura diametralmente contrária ao que foi discutido no Ministério [da Saúde] e dificultou tudo".
O antigo gestor estimou que o pico da covid-19 no país não ocorrerá antes de julho, pelo que os números ainda vão crescer muito.
"Uma vez eu disse que teríamos 20 semanas muito difíceis pela frente. Passaram 8 semanas. Eu disse que os casos aumentariam em abril, maio e junho; que em julho, quando atingirmos o pico da curva, estabilizaremos, embora os registos permanecerão altos até agosto, quando o número de casos começará a cair, e que em setembro estaremos perto de algo agradável", concluiu.
Veja o vídeo: O que acontece ao vírus quando entra em contacto com o sabão?
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