O ambiente nas ruas parece retirado de um tempo passado, em que só o uso da máscara provoca estranheza. A azáfama pela procura dos estabelecimentos comerciais que estiveram encerrados faz com que haja aglomerações de clientes nos passeios, onde nem sempre é possível cumprir o distanciamento.

Dentro de um cabeleireiro na Rua Cláudio Nunes, a agência Lusa encontra Natália Vasilev, que afirma que o dia de hoje “é uma luz ao fundo túnel” para a sua empresa.

“Passados dois meses, voltamos a marcar a nossa agenda com muitas restrições, com muita limitação de pessoas, mas conseguimos. Hoje e amanhã [a agenda] está mais ou menos, mas para a semana vamos ver”, realçou a proprietária do salão Glow – Brilhe Connosco.

De acordo com a empresária, o confinamento iniciado em janeiro foi “um balde água gelada”, porque ainda não havia recuperado das perdas de março de 2020, aquando do primeiro encerramento forçado, devido ao contexto pandémico.

Revelando que sentiu muita ansiedade e tristeza por ter estado com o espaço fechado, Natália Vasilev reforça que lhe faz falta sair de casa todos os dias e fazer o que mais gosta.

“Espero que nunca mais voltemos a estar fechados. Vem o verão, já temos vacina… Espero que seja uma boa lição para nós [a pandemia], de certeza que tirámos conclusões para darmos valor àquilo que temos: ao trabalho e aos clientes”, diz.

Também o proprietário do Freixinho Cabeleireiros, já na Estrada de Benfica, explica que 15 de março de 2021 ficará marcado na História como sendo “um dia excelente”.

“Este dia parece quase o regresso de férias, mas um bocadinho diferente, porque a ansiedade é grande. Somos nós e o cliente. É um reaver de pessoas que já não vemos há muito tempo. Tudo isto é bonito, tudo isto é bom”, exclama António Freixinho, enquanto corta o cabelo a um cliente.

O responsável do estabelecimento reconhece que os últimos dois meses foram muito duros, porque a pandemia “não deu azo” a descanso.

“Para quem está parado há dois meses e com contas para pagar, começar a ganhar dinheiro é excelente. […] Devido às marcações que temos, o risco [de contaminação de covid-19] é mínimo, desde o cliente aos géis”, afirma, lembrando que só trabalha por marcação.

Com um semblante de esperança, António ressalva que “as pessoas amigas” estão à sua espera e que “trabalhar é bom”, porque faz parte de uma realização pessoal e os clientes andam felizes.

É o caso de Maria Filomena Ferreira, que conta que ainda não teve tempo de cortar o cabelo, porque gosta de ir com calma.

“Deve haver muita gente a correr. Tenho de ir acertar o cabelo, tenho-lhe dado umas tesouradas em casa”, conta, admitindo que “não podia ser de outra maneira”.

Para Maria Ferreira, já fazia falta sair à rua e ver os estabelecimentos abertos, como as cafetarias venderem a café e outras bebidas, ainda que ao postigo.

“Já tomei café. Já tomei dois cafés. Um em cada pastelaria”, conta, lembrando que “era uma tristeza para quem viesse dar um passeiozinho olhar à volta e ver tudo fechado e não ver ninguém”.

Com várias pessoas a entrar e sair para levantar café está a Pastelaria Doce Tentação, onde o dono salienta “o dia inesquecível” que está a viver.

“Já vendi bastante café. Estamos a começar uma nova etapa e até agora tem corrido bem. Temos a clientela fiel de muitos anos, mas para primeiro dia estamos a começar bem, estamos a começar devagarinho”, observa Carlos Pires.

Nestes dois meses não teve serviço de ‘take-away’ e a loja esteve fechada: “Foram dois meses terríveis, para esquecer, nunca pensei que isto fosse acontecer um dia. Hoje já há uma pequena amostra de que isto está a recomeçar devagarinho. […] Vendemos muito café, o café é o nosso forte, bebidas, digestivos também”.

Regozijando-se pelo desconfinamento, Margarida Rodrigues aproveita para passear. Diz que sentiu muito “pessimismo” nos últimos meses e que a reabertura do comércio “faz muita falta”.

“Para quem é mais velho são anos e meses de vida que se tiram, não se tem o mesmo à-vontade para o desconfinamento que os mais novos têm. Sentimos que nos roubaram um ano de vida”, explica.

Ainda assim, refere que o segundo confinamento foi mais leve do que o primeiro.

“Acho que as pessoas já estavam mais sensibilizadas, já sabiam com o que contavam e distanciavam-se, mas andavam na rua. […] Hoje o dia está ótimo, está de primavera, e já estou aqui na rua com cuidado, com máscara”, sublinha, acrescentando que está “contentíssima da vida” por ver mais gente e o “comércio mais animado”.

Dois meses após ter sido imposto um novo confinamento para controlar a covid-19 em Portugal, puderam reabrir hoje as lojas de comércio local de bens não-essenciais para venda ao postigo, assim como os cabeleireiros, as manicures, as livrarias, o comércio automóvel, a mediação imobiliária, as bibliotecas e arquivos.

As cresches e escolas do pré-escolar e do primeiro ciclo voltaram a abrir portas. O teletrabalho e o dever geral de confinamento mantêm-se como regras gerais previstas no plano de desconfinamento iniciado hoje.