
No momento em que o tema das doenças raras é abordado com tanta frequência e nas mais diversas ocasiões, é importante não esquecermos aquelas cujos desafios se vão intensificando graças às notícias mais recentes que falam sobre o futuro. A Ataxia de Friedreich (AF) é uma doença neuromuscular, rara, genética, hereditária, progressiva e ainda sem uma cura conhecida. Causada por uma mutação no gene FXN, que reduz a produção de uma proteína que é essencial ao funcionamento das mitocôndrias, a frataxina, cuja ausência provoca danos progressivos e irremediáveis no sistema nervoso, apresenta dificuldades diversas, como problemas motores, diabetes, alguns problemas cardíacos, entre outros. Não sendo a única forma de Ataxia conhecida, estima-se que a sua prevalência média na população europeia seja inferior a dois casos por cada 50.000.
Alguns dos desafios que são enfrentados pelos seus portadores incluem um diagnóstico tardio e difícil devido à raridade da doença e à semelhança dos sintomas com outras condições neurológicas. Muitos destes pacientes enfrentam um longo caminho até obterem um diagnóstico preciso. Outra consequência é a sua progressão Irreversível uma vez que, com o passar do tempo, os sintomas agravam-se levando à perda progressiva da coordenação motora e, muitas vezes, à necessidade de utilização de cadeira de rodas ou outros apoios de marcha. Para além disso, podem surgir complicações cardíacas que podem reduzir significativamente a expectativa de vida.
Na atualidade, a expectativa destes doentes em relação às soluções que o futuro lhes reserva, tem mobilizado mais equipas de investigadores e um maior número de grupos de discussão em seu redor. Curiosament e, os resultados obtidos por esse movimento, que já atinge um nível internacional, têm permitido imaginar que muitas promessas feitas até hoje, se podem t ransformar rapidamente em respostas concretas que alimentem uma esperança renovada na aprovação de novas terapias capazes de interromper ou reverter a progressão da doença. Também é necessário olharmos para outros fatores que condicionam a vida destas pessoas.
O fator social é, talvez, aquele que tem mais impacto na vida quotidiana dado que a AF não afeta apenas os pacientes, impondo às suas famílias e cuidadores algumas alterações que exigem uma adaptação constante às necessárias modificações que surgem no dia-a-dia2. Será, por isso, muito importante que, nos próximos anos, se continue a insistir nas alterações que são hoje reconhecidas como fundamentais, no que respeita à relação entre a saúde e o social. Não basta desenvolver medicamentos pensando que, estes, resolverão todos os problemas que os seus destinatários enfrentam. É preciso humanizar os serviços e os cuidados de saúde, aumentar o conhecimento e a literacia, cada vez mais exigidos a quem os serve. Est aremos, desta forma, a permitir e a contribuir para que estas pessoas não sejam excluídas de qualquer processo que lhes diga respeito.
No âmbito da investigação, é preciso olhar para o futuro que nos foi sendo prometido pela inovação, pelo desenvolvimento tecnológico e por todas as razões que estão a transformar o nosso mundo numa bolha digital que se estende à área da saúde de forma irremediável e sem retrocesso.
É fundamental que esse progresso chegue rapidamente às áreas mais sensíveis das doenças raras, entre as quais à AF, através do aperfeiçoamento de técnicas que permitam um diagnóstico mais precoce, com análises e exames mais acessíveis e mais precisos, que permitam uma correta identificação da doença e, sobretudo, um acesso mais precoce e mais eficaz a todos os medicamentos que venham a surgir.
A abordagem multidisciplinar é outro dos fatores que pode permitir algum ganho de tempo, através do envolvimento de neurologistas, cardiologistas, fisioterapeutas e outros especialistas. Est a abordagem é essencial para oferecer um suporte completo a todos os portadores de AF. De um modo geral, ela permite uma colaboração mais alargada que pode, até, estender-se ao nível internacional através da t roca de conhecimentos entre todas as instituições de saúde, sejam públicas ou privadas, que acompanham estes casos.
Para atingirmos todos estes objetivos é necessário criar incentivos ao investimento em todas as doenças raras, estabelecendo um compromisso global no financiamento à investigação que permita a todos os pacientes com Ataxia de Friedreich, e a todos os doentes raros em geral, olharem para um futuro com mais soluções e mais perspetivas, contrariando os atuais problemas.
Um artigo de Joaquim Brites, Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN).
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