Lilian esteve oito anos atrás das grades e Alba dez. A libertação, após uma revisão da sentença, é uma vitória incompleta para as mulheres num país que insiste em manter uma das leis mais rígidas do mundo sobre o tema.

"Tive o meu bebé normalmente, mas sofri uma rutura no útero. Sedaram-me para fazer uma curetagem. Três dias depois que acordei, descobri que havia morrido", afirma Lilian, que pede para ser identificada apenas pelo nome.

Eu tinha 20 anos, uma filha de dois anos, um companheiro e um emprego quando isto aconteceu, em novembro de 2015, no hospital público de Santa Ana, no oeste de El Salvador.

"Primeiro acusaram-me de abandono e desamparo, mas a promotoria classificou o crime como "homicídio qualificado" e fui condenada em maio de 2016. Achei que a minha vida estava arruinada para sempre", partilhou.

Há um ano, diz, soube que a filha morreu de sepse neonatal: "Se tivessem tratado a tempo, ela não teria morrido. Eu não teria perdido tantos anos da minha vida na prisão".

Auxiliada pelas organizações 'Colectiva Feminista' (Coletivo Feminista) e 'Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto' (Grupo Cidadão pela Descriminalização do Aborto), Lilian saiu da prisão em novembro e foi a última libertada das 73 condenadas a penas entre 30 e 50 anos na última década, por abortos ou complicações obstétricas.

Alba Lorena Rodríguez
Alba Lorena Rodríguez créditos: AFP or licensors

 "O meu mundo caiu"

Quase todas estas mulheres são pobres, com baixa escolaridade e de zonas rurais, onde os serviços de saúde são precários, explicou Arturo Castellanos, assistente social do 'Agrupación Ciudadana'.

Alba Lorena Rodríguez foi violada por um conhecido e engravidou. Tinha 21 anos e duas filhas pequenas.

Em dezembro de 2009, aos cinco meses de gestação, sentiu dores fortes. O parto ocorreu na sua casa modesta numa área rural do sudoeste.

"Tive que parir sozinha, desmaiei, o bebé caiu e machucou-se", contou. No dia seguinte, uma vizinha chamou a polícia e Alba acabou por ser presa no velório do bebé.

Não teve, disse, "um julgamento justo" nem quem a defendesse. "O meu mundo caiu porque sabia que não iria ver as minhas filhas e que estava a ser  punida por um crime que não cometi", afirmou.

"Quem me violou continuou livre com a sua família e eu... presa. A lei é muito injusta", disse Alba.

"Quando saem da prisão a comunidade discriminam-nas e estigmatizam e elas precisam restabelecer os vínculos familiares", explicou Castellanos.

Para Lilian, "o mais difícil" foi perder a infância da filha, que ficou sob os cuidados dos avós aos dois anos: "Só a vi duas vezes, não a vi crescer".

"O meu pai morreu em 2012 e só soube em 2019 quando saí (da prisão), as minhas filhas já iam para a escola e a minha irmã estava morta", resumiu Alba.

El Salvador proibiu o aborto em 1998 sem exceções, assim como Nicarágua, Honduras, Haiti e República Dominicana.

Mas em nenhum dos outros países as penas são tão severas: dois a oito anos de prisão e frequentemente classificado como "homicídio qualificado", com 30 a 50 anos de prisão.

Desde 1998, os casos de aborto e emergências obstétricas de 199 mulheres foram criminalizados e embora Lilian tenha sido a última a ser libertada, sete mulheres enfrentam processos judiciais, segundo a 'Agrupación Ciudadana'.

Reportagem de María Isabel Sánchez