Os cancros digestivos englobam uma série de neoplasias, das quais fazem parte os tumores gástricos. O cancro gástrico é o 5º tumor com maior incidência em Portugal e a 3ª causa mais frequente de morte por doença oncológica no mundo.

Existem diversos fatores de risco associados ao cancro gástrico, nomeadamente pertencer-se ao sexo masculino, a obesidade, a infeção por helicobacter pylori e o tabagismo. As dietas ricas em sal, as carnes processadas e o baixo consumo de frutas e legumes também são fatores a ter em conta. De referir, ainda, que a componente familiar está presente em cerca de 10% dos casos.

O cancro do estômago pode ser difícil de diagnosticar precocemente, uma vez que os sintomas variam muito e são pouco específicos, podendo mesmo ser assintomático durante um longo período da doença. No entanto, existem alguns sinais e sintomas que devem servir de alerta, designadamente a perda de peso inexplicável, o enfartamento após as refeições, a perda de apetite e até a própria azia. Sempre que houver a presença de sintomas suspeitos deverá realizar-se uma endoscopia digestiva alta, por forma a obtermos o diagnóstico. Uma vez realizado o diagnóstico, o doente é submetido a uma série de exames complementares, que permitem classificar a doença como local, localmente avançada ou disseminada. Isso permite escolher o tratamento mais adequado, que passará, na maioria dos casos, por cirurgia, quando o tratamento é realizado com intuito curativo.

O tratamento cirúrgico do cancro gástrico sofreu nos últimos anos uma evolução relevante com a introdução da cirurgia minimamente invasiva. Os doentes que eram submetidos à cirurgia dita convencional passavam por um pós operatório complexo e algo moroso. A cirurgia minimamente invasiva veio acelerar e melhorar de uma forma notória a recuperação destes doentes ao permitir-nos operar através de incisões mais pequenas, que provocam menos trauma na parede abdominal e consequentemente uma diminuição da dor e do desconforto no período pós operatório, possibilitando, assim, que o paciente retorne mais rapidamente à sua vida ativa.

A pandemia, que parece finalmente dar-nos tréguas, contribuiu para que nos últimos dois anos se diagnosticassem menos casos de cancro gástrico, tanto na Região Autónoma da Madeira (RAM), como no resto do mundo. Não porque tenha diminuído a incidência, mas provavelmente pelo facto de os doentes terem tido menos acesso aos cuidados de saúde devido, por um lado, à necessidade de alocar meios e canalizar esforços para uma pandemia que era prioritária no momento e, por outro, ao facto de a própria população ter evitado recorrer aos serviços médicos disponíveis durante esse período. Em 2021, na Região, houve um aumento de cerca de 40% de novos casos diagnosticados e julgo que em 2022 voltaremos aos números pré pandémicos.

O cancro gástrico é uma patologia que exige uma diferenciação clínica importante e a Região tem apoiado e incentivado a formação nessa área. Entre 2016 e 2018, o Serviço de Cirurgia do SESARAM e o Serviço de Cirurgia do Centro Hospitalar do São João estiveram em estreita colaboração, permitindo que alguns cirurgiões recebessem o know-how necessário para iniciar a cirurgia minimamente invasiva no cancro gástrico na RAM, o que acabou por se verificar em 2019. E se nesse ano este tipo de abordagem representou apenas 28% das cirurgias realizadas, hoje em dia, representa mais de 80%.

O futuro, como em qualquer outro tipo de cancro, passará pela procura de soluções que permitam realizar o diagnóstico cada vez mais precocemente, a fim de podermos oferecer a um maior número de pacientes com cancro gástrico tratamentos oncológicos médicos e cirúrgicos com intuito curativo.

Um artigo do médico Ricardo Viveiros, cirurgião no departamento de cirurgia do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira.