A mitologia grega conta-nos a história de Narciso, um jovem belíssimo que se apaixonou por si próprio, após ver a sua imagem refletida na água. Reza a lenda que Narciso, após dias consecutivos a admirar a própria beleza espelhada na água, acabou por cair e morrer afogado.

Em 1900, o psicanalista Sigmund Freud, introduziu o termo narcisismo. Freud definiu este conceito como um tipo de egocentrismo severo e, inclusivamente, impulsionou o surgir do termo “megalomania”, o qual definia uma perturbação psicológica que se caracterizava pela presença de ideias de poder, omnipotência e sobrevalorização das próprias capacidades.

Contudo, somente nos anos 60, surge o reconhecimento da “Perturbação da Personalidade Narcísica” enquanto diagnóstico e, ao longo dos anos, os critérios foram sofrendo alterações.

Desta forma, surge a questão: no século XXI, que critérios definem esta perturbação? Seguem alguns exemplos, nomeadamente:

  1. Sentimentos de grandeza e prepotência, expressos através da adoção de uma postura de altivez, arrogância e desdém por terceiros;
  2. Necessidade de atenção e admiração excessivas, acompanhada pela expectativa de receber, sempre, um tratamento especial e diferenciado dos demais;
  3. Falta de empatia e desvalorização dos sentimentos dos outros;
  4. Tendência a exigir que os demais concordem com os seus planos e ideias, os quais são considerados inferiores e invejosos;
  5. Preocupação constante com fantasias de sucesso, poder ilimitado e/ou beleza;
  6. Crença de que se é especial e que somente pode ser compreendido e relacionar-se com pessoas ou instituições consideradas diferenciadas;
  7. Tendência a exagerar acerca das suas conquistas, talentos e competências, enquanto usa e explora as pessoas à sua volta para benefício próprio.

Algumas pessoas com esta perturbação, dada a acentuada capacidade de manipulação, adotam uma atitude de (falso) “mártir”. Ou seja, tentam recorrer a um falso altruísmo em busca de ser a “pessoa mais humilde e humana”, aquela que todos admiram, idolatram e aspiram tornar-se semelhantes. Este papel permite, paralelamente, ter controlo e manipular terceiros, os quais confiam na sua boa vontade e alegada dedicação aos outros.

O diagnóstico desta patologia necessita, obrigatoriamente, de ser feito por um profissional de saúde. Outro critério é que os sintomas desta patologia, como alguns dos referidos anteriormente, provoquem danos significativos nas principais áreas de funcionamento – designadamente no domínio familiar, social e laboral.

Tome-se como exemplo as relações. Para as pessoas com esta patologia, manter uma relação saudável é um enorme desafio, dada a constante sensação de não ser suficientemente valorizado pelo outro; perder rapidamente o interesse sempre que surge uma pessoa considerada “melhor” e, principalmente, a elevada sensibilidade a potenciais críticas.

As pessoas com esta perturbação apresentam uma maior dificuldade em gerir críticas, as quais são interpretadas como agressões e humilhações. Não raras vezes, a resposta às críticas envolve explosões de raiva, agressões verbais e físicas e um enorme desejo de vingança. Quando menos explícita, a raiva surge sob a forma de atos passivos-agressivos, tais como usar o sarcasmo para ofender o outro ou dar como resposta um silêncio total.

Segundo investigações, o que distingue a “raiva narcísica” da “raiva comum”, é que a primeira tende a ser irracional, desproporcional e, tendencialmente, mais agressiva.

É importante assinalar que o diagnóstico desta patologia integra apenas 1% da população mundial, sendo a maioria do sexo masculino. Não raras vezes, esta encontra-se associada a outras perturbações, como perturbações da alimentação (por exemplo, anorexia), dada a exigência interna de ser “perfeito”. Existe também uma associação significativa entre esta patologia e o consumo de substâncias (como o álcool e drogas), o pode ser explicado pela impulsividade que também define este funcionamento.

“Um homem cheio de si está sempre vazio”, Edward Abbey

As explicações são de Sofia Gabriel e Mauro Paulino da MIND – Instituto de Psicologia Clínica e Forense.