Em primeiro lugar convém esclarecer que nem todos os homens diagnosticados com cancro de próstata têm de receber tratamento ativo. Isto porque existem cancros de próstata pouco agressivos e com baixo potencial de disseminação. A investigação básica e clínica está cada vez mais focada na deteção precoce e identificação dos tumores com maior agressividade e letais, estes sim, passíveis de tratamento mais precoce com intuito curativo.
As repercussões dos tratamentos do cancro de próstata sobre a sexualidade dos homens e das suas parceiras são múltiplas e com impacto muito significativo desde a diminuição do desejo sexual, a disfunção eréctil, distúrbios ejaculatórios e orgásticos, perda de urina durante o orgasmo, até dor sexual.
O impacto inicial é psicogénico, na altura do diagnóstico, porque o doente é confrontado com uma doença cancerosa potencialmente letal e com morbilidade acentuada na fase avançada. Por este motivo é fundamental o papel do urologista na desmistificação da gravidade da doença, através de uma correta estratificação de risco. Uma boa relação conjugal ou similar com apoio da parceira, é extremamente importante e estrutural para diminuir este impacto.
Algumas opções de tratamento implicam o uso de fármacos que atuam na produção e ligação da testosterona às células da próstata, provocando diminuição da libido, quer dizer, do interesse sexual. Esta é uma consequência endocrinológica.
Em resumo as consequências do cancro de próstata sobre a sexualidade dos homens e das suas parceiras são múltiplas e com impacto muito significativo desde a disfunção eréctil, diminuição do desejo sexual, problemas ejaculatórios e orgásticos, até à dor sexual.
Ausência de libido
Acredita-se que que há uma percentagem enorme de homens que ficam impotentes com os tratamentos, mas isso depende sempre da modalidade de tratamento escolhida. Os doentes submetidos a manipulação hormonal, terão ausência de libido, na esmagadora maioria dos casos, total. Este efeito perdura até cerca de 18 meses após a paragem dos fármacos. Os doentes submetidos a prostatectomia radical tem em média uma disfunção eréctil total ou parcial de cerca de 50-70%, com 100% de anejaculação, uma vez que os canais deferentes e as vesículas seminais estão ausentes. Já nos doentes submetidos a radioterapia os dados disponíveis apontam para um intervalo entre 70-80% de perturbação na esfera sexual, nas suas diferentes componentes: disfunção eréctil, orgástica ou ejaculatória, tanto mais que nestes casos acrescem os efeitos da manipulação hormonal.
Interessantes são os dados publicados num estudo escandinavo, em que num universo de 7000 doentes com cancro de próstata, o grupo que não foi submetido a qualquer tratamento para a doença, reporta cerca de 60-70% de impacto na esfera sexual.
Algumas opções de tratamento implicam o uso de fármacos que atuam na produção e ligação da testosterona às células da próstata. O principal impacto repercute-se no desejo sexual, resultante da inibição da produção de testosterona, necessária para privar as células cancerosas do estímulo para o seu crescimento e multiplicação. Este efeito perdura muito para além da interrupção do tratamento, cerca de 18-24 meses.
O cancro de próstata é muito sensível à radiação pelo que a radioterapia é uma opção terapêutica eficaz na cura da doença. Existem várias modalidades de administração desta energia: externa ou intracorporal, com várias técnicas que permitem conformar a energia administrada de modo a poupar os tecidos circundantes. Embora não tenha repercussão imediata e direta sobre os feixes vasculo-nervosos, os seus efeitos a médio prazo 3-5 anos, acabam também por se refletir na capacidade erétil, de causa neuro-vascular.
Já o tratamento cirúrgico denominado prostatectomia radical, implica a exérese da totalidade da próstata, vesiculas seminais e gânglios regionais, ao contrário das cirurgias para a doença benigna, em que apenas é removido o interior da próstata. São candidatos a cirurgia os doentes com doença localizada ou mesmo localmente avançada. Existem feixes nervosos, responsáveis pela obtenção da ereção que correm intimamente relacionados com as faces laterais do órgão, e que podem ficar seccionados ou seriamente comprometidos durante o procedimento cirúrgico, quer de forma direta quer indireta por ação das fontes de energia usada.
Convém referir que o urologista se concentra em primeiro lugar na exérese completa do órgão, no sentido de não deixar tecido remanescente – margem cirúrgica negativa. Existem também técnicas cirúrgicas que permitem poupar um ou os dois feixes vasculo-nervosos, mas que dependem da extensão local da doença e da sua localização particular.
Destacam-se as técnicas que recorrem a cirurgia laparoscópica ou robótica. Num mundo cada vez mais apoiado em recursos tecnológicos, a esmagadora maioria das publicações incidem sobre os resultados da cirurgia robótica, que são similares aos da cirurgia aberta em termos de margens cirúrgicas, um pouco melhores no que diz respeito à continência e tendencialmente superiores na preservação doa feixes vásculo-nervosos. Ainda assim os melhores resultados dependem em primeiro lugar do cirurgião. Se os feixes ficarem danificados existirá uma disfunção da ereção de causa neurogénica.
A recuperação
A recuperação dependerá sempre de uma multiplicidade de fatores. As co-morbilidades como é o caso da diabetes ou hipertensão, os hábitos de consumo ou adição, a capacidade sexual e erétil prévia ao diagnóstico, uma relação estável com parceira disponível para acompanhar e intervir ativamente no processo de reabilitação, são fundamentais. No caso do tratamento hormonal é expectável um retorno à normalidade, decorridos cerca de 18-24 meses após a interrupção dos fármacos.
Nos doentes submetidos a radioterapia quer externa quer com braquiterapia, uma reabilitação precoce com auxílio de fármacos vasodilatadores, permite uma manutenção da capacidade eréctil e retardam as consequências mais tardias.
Nos doentes submetidos a cirurgia, também a intervenção precoce, através do uso dos mesmos fármacos, acrescida do recurso a dispositivos de ereção por vácuo, são fundamentais e importantes na reabilitação. Na realidade porém, estas medidas nem sempre são iniciadas precocemente devido à incontinência urinária consequente à cirurgia, que poderá nalguns casos demorar várias semanas ou meses até ser atingida; ou se existe necessidade de tratamento complementar com recurso a radioterapia externa. É expectável a recuperação total ou parcial da capacidade eréctil a partir dos 6 meses de pós-operatório. Nos casos em que a perda da ereção é total, após os 12 meses, a única solução possível é o recurso à colocação de prótese peneana.
Um acompanhamento especializado e multidisciplinar por parte do urologista, equipa de enfermagem dedicada e andropsicólogas. É necessário captar e estimular a adesão do doente e sua parceira no sentido de compreenderem e aceitarem as diferenças inerentes à nova situação de forma a diminuir a taxa de abandono e desinteresse. As mulheres dos homens com cancro de próstata têm um papel muito importante e ativo na reabilitação sexual daqueles.
Combater o negativismo e o isolamento a que estes doentes habitualmente se remetem, com a informação especializada adequada, acompanhamento por parte da equipa médica e um bom apoio familiar.
Os números do cancro da próstata
O cancro de próstata é muito prevalente, sendo a doença maligna mais frequente no homem. Segundo os dados reportados a 2009 pelo Programa Nacional da Doenças Oncológicas da DGS, a incidência é cerca de 108 casos por 100.000 homens.
O conceito de recuperação sexual carece de melhor definição. Se se pensar num retorno completo à situação pré doença a taxa é relativamente baixa, cerca de 25-30% dos casos. No entanto, é possível conseguir obter capacidades erétil que permita uma relação penetrante capaz e satisfatória em muitos casos, obviamente dependentes da multiplicidade de fatores já enunciada. Como mensagem final gostaria de dizer que na esmagadora maioria dos casos é possível e desejável manter a sexualidade do casal, mesmo que não se atinga uma capacidade erétil total de forma espontânea.
Um artigo do médico Rui Sousa, urologista e diretor do serviço de urologia do Hospital de Cascais.
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